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LANÇAMENTO: LIVRO "JOÃO CALVINO: QUEM DIZEM QUE SOU?"

J. A. Lucas Guimarães ┐ ♥ ┌ Sob empréstimo da pergunta de Jesus aos discípulos foi publicada a décima obra da Coleção Calvino21,  intitulada: JOÃO CALVINO: “QUEM DIZEM QUE SOU?”   Esboços de retratos calvinianos O rganizada pelo historiador e teólogo J. A. Lucas Guimarães, encontra-se a convicção de que a relação de seu contexto original com as identificações à pessoa de João Calvino desde sua morte, não é mera coincidência. Se lhe fosse oportuno um lance de existência atual, é possível que ele fizesse semelhante indagação, apesar de seu desinteresse por ela em sua existência. Desse modo, tem início o empenho de disponibilizar a verdade histórica da identidade e identificação de João Calvino: advogado, um dos principais líder da Reforma Protestante do século XVI, pastor na cidade de Genebra e escritor cristão, com vasta literatura legada à posteridade, com a íntegra apresentação do Evangelho de Cristo pela fiel exposição bíblica. Porque já se distanciam os limites dos 500 ano...

JOÃO CALVINO E A REFORMA EM GENEBRA

 
Earle E. Cairns

Os milhões que aceitam a fé reformada e sua fundamentação doutrinária testemunham a importância do sistema teológico formulado por João Calvino (1509- 1564), designado geralmente pelo termo “calvinismo”. O termo “fé reformada” aplica-se ao sistema de teologia desenvolvido a partir do sistema de Calvino. “Presbiterianismo” é a palavra usada para exprimir a forma de organização eclesiástica concebida por Calvino. que fez de Genebra o centro de execução de suas ideias. Calvino pode ser apontado como o líder de segunda geração de Reformadores.

Lutero e Calvino

Calvino faz um interessante contraste com Lutero. Este era de família camponesa, mas o pai de Calvino era um tabelião que fez do filho um membro da classe profissional. A formação universitária de Lutero foi feita de filosofia e teologia; Calvino, porém, recebeu uma formação humanística; por isso, enquanto ele foi organizador por excelência do protestantismo, Lutero foi a sua voz profética. Lutero era fisicamente forte, enquanto Calvino teve de enfrentar problemas de saúde durante todo o seu período de trabalho em Genebra. Lutero amava o lar e a família, ao passo que Calvino preferia o estudo solitário. Lutero, que vivia numa Alemanha monárquica, esperava o apoio dos aristocratas e dos príncipes. Calvino, numa Suíça republicana, interessava-se mais pelo desenvolvimento de uma igreja governada representativamente. 

Lutero e Calvino diferiam tanto teologicamente como pessoalmente. Lutero enfatizava a pregação; Calvino preocupava-se com a formulação de um sistema formal de teologia. Os dois aceitaram a autoridade da Bíblia, só que a ênfase maior de Lutero era sobre a justificação pela fé e a de Calvino, sobre a soberania de Deus. Lutero interpretava a consubstanciação como a melhor teologia para a Ceia do Senhor; Calvino negava a presença física de Cristo, aceitando apenas a presença espiritual de Cristo pela fé nos corações dos participantes. Lutero só rejeitava o que a Bíblia não aprovava; Calvino rejeitava tudo o que não pudesse ser provado pela Bíblia. Lutero aceitava a predestinação dos eleitos mas se preocupava muito pouco com a eleição para a condenação. Calvino, por sua vez, defendia uma eleição dupla, para a salvação e para a condenação, baseada na vontade de Deus, e rejeitou qualquer concepção da salvação como fruto do mérito do eleito ou da presciência de Deus, como se Deus elegesse para a salvação aqueles que Ele sabia de antemão que creriam.

A vida de Calvino (até 1536)

A vida de Calvino pode ser dividida, claramente, em dois grandes períodos. Até 1536, um estudante distraído; de 1536 até sua morte em 1564, exceto por um pequeno período de exílio em Estrasburgo, de 1538 a 1541, o grande líder de Genebra. Nascido em Noyon, em Picardy, ao norte da França, seu pai era um respeitado cidadão, a quem era possível reservar a renda de um 'benefício eclesiástico, para a educação de Calvino, a partir dos seis anos de idade. Dois outros benefícios eclesiásticos permitiram a Calvino receber o melhor preparo possível antes de ingressar na universidade. Estudou por algum tempo na Universidade de Paris, e aí encontrou o humanista Guillaume Cop. Aí conheceu também as ideias protestantes através de seu primo Pierre Olivetan. Encerrando seus estudos humanísticos, seu pai o enviou para a Universidade de Orleans a fim de estudar advocacia, transferindo-se para a Universidade de Bourges, em 1529. A elaboração de um bom comentário sobre o De Clementia, de Sêneca, em 1532, marcou o ápice da influência humanística sobre a sua vida. 

Entre a conclusão do comentário e o fim do ano seguinte, Calvino se converteu, adotando as ideias da Reforma e dispensando imediatamente o dinheiro das rendas eclesiásticas. Forçado a abandonar a França, em 1534, por colaborar com Nicholas Cop, reitor da Universidade de Paris, na elaboração de um documento, recheado de Humanismo e de Reforma, seguiu para Basiléia.

Em Basiléia, terminou sua grande obra As Institutas da Religião Cristã, na primavera de 1536; tinha ele então 26 anos de idade. O pequeno livro era dirigido a Francisco I, da França, numa tentativa de defender os protestantes da França, que sofriam por sua fé, e pedia a Francisco que aceitasse as ideias da Reforma. A primeira edição era apologética e nela Calvino demonstrava como entendia a fé cristã. A influência do Catecismo, de Lutero, pode ser percebida na sequência desta primeira edição. Calvino, primeiro, discutia os Dez Mandamentos; depois, tomando como base o Credo dos Apóstolos, a ; a seguir, a oração, a partir do Pai Nosso; os dois Sacramentos; os perigos da doutrina romana acerca da Ceia do Senhor; e, finalmente, a liberdade cristã do cidadão, que relacionou à liberdade política. A obra passou por várias edições até a edição final em 1559. Esta edição final compõe-se de quatro livros e oito capítulos, constituindo-se num amplo texto de teologia.[1]

A Teologia de Calvino

Mesmo correndo o risco de simplificar demais, pode-se resumir a teologia de Calvino com um recurso mnemónico simples, geralmente usado pelos estudantes. As primeiras letras dos principais termos da teologia de Calvino formam o anagrama TELIP. Coordena sua teologia a ideia da soberania absoluta de Deus. Calvino tinha uma concepção majestosa de Deus, a exemplo de alguns dos profetas do Antigo Testamento. Ele acentuava a Totalidade da depravação humana, entendendo que o homem herdou a culpa do pecado de Adão e nada pode fazer por sua salvação, uma vez que a sua vontade está totalmente corrompida. Calvino ensinava que a salvação é um assunto de Eleição incondicional e independe do mérito humano ou da presciência de Deus: a eleição é fundamentada na soberania da vontade de Deus, havendo uma predestinação dupla, para a salvação e para a perdição. Calvino concebia, ainda, a Limitação da redenção, ao propor que a obra de Cristo na cruz é restringida aos eleitos para a salvação. A doutrina da Irresistibilidade da graça é necessária, então, o eleito é salvo independentemente de sua vontade, pois o Espirito Santo o dirige irresistivelmente para Cristo. A Perseverança (ou preservação) dos santos é o ponto final do seu sistema: os eleitos, irresistivelmente salvos pela obra. do Espirito Santo, jamais se perderão.[2]

Embora a teologia de Calvino tenha contornos muito próximos de Agostinho, ela se deve mais ao estudo da Bíblia do que a Agostinho. Como outros reformadores, ele não foi de Agostinho para a Bíblia e daí para as doutrinas da Reforma, mas da Bíblia para Agostinho, em busca de apoio do príncipe dos Pais da Igreja.

A vida de Calvino (depois de 1536)

Enquanto Calvino esteve engajado, a Reforma avançou por todos os cantões franceses da Suíça. 

Foi Guillaume Farei (1489-1565), ruivo, inquieto, voz tonitruante e carisma de profeta, quem estabeleceu a reforma em Genebra. De família francesa de classe média e educado em universidades francesas, aceitou cedo, em 1521, a doutrina luterana da justificação pela fé. Protegido por Berna, ele ajudou a propagar as ideias reformadas. Em 1532, começou a agir em Genebra. Em 1535, venceu uma polêmica com os inimigos da Reforma, o que resultou na adoção formal das ideias dos reformadores pela Assembleia Geral dos Cidadãos, em 1536. 

Para estabelecer a Reforma em Genebra, Farel percebeu que precisaria de alguém administrativamente mais capacitado. Em uma de suas viagens, Calvino pernoitou uma vez (1536) em Genebra. Farei foi ao seu encontro e solicitou sua ajuda. Calvino se recusou, pois gostava da vida de estudioso e escritor de teologia; Farei lhe disse que Deus o amaldiçoaria se não ficasse. Impelido pelo medo. como Calvino mesmo mais tarde confessou, resolveu ficar. Ele e Farei trabalharam juntos até serem exilados em 1538. Calvino foi ordenado ministro de ensino de Genebra em 1536. 

Em 1537, Calvino e Farei conseguiram a aprovação de um decreto que estabelecia o seguinte: a Ceia do Senhor seria celebrada em ocasiões pré-estabelecidas; um catecismo de crianças seria preparado; o canto congregacional seria adotado e os membros sob disciplina severa seriam excomungados. Os dois elaboraram um catecismo e uma pequena declaração de fé; como eles se recusavam a dar a Ceia do Senhor a alguns, isso gerou uma controvérsia que acabou levando-os ao exílio em 1538. 

Entre 1538 e 1541, Calvino pastoreou refugiados franceses em Strasbourg, onde Tomás Bucer (1491-1551) dirigiu a Reforma e ensinou teologia. Nessa época, casou- se com Idelette de Bure, viúva de um pastor anabatista. Seu único filho morreu criança e em 1549 Idelette também morreu. 

Em 1541, as forças reformadoras novamente obtiveram o controle de Genebra e Calvino foi convidado a voltar. Neste mesmo ano ele teve promulgadas as Ordenanças Eclesiásticas,[3] que delineavam as atividades de quatro classes de oficiais na Igreja. Elas estabeleciam uma associação de pastores para dirigir a disciplina, um grupo de mestres para ensinar a doutrina, um grupo de diáconos para administrar a obra de caridade e, sobre eles, o consistório, composto de seis ministros e doze anciãos, para supervisionar a teologia e a moral da comunidade, com a faculdade de punir, quando necessário, com a excomunhão os membros renitentes. Para garantir a eficácia do sistema, Calvino estabeleceu outras penalidades mais severas. 

Estas penalidades se configuraram severas demais, quando 28 pessoas foram executadas e 76 exiladas em 1546. Por questionar a doutrina da Trindade, Servetus foi executado em 1553. Embora não se justifiquem tais atos, deve-se lembrar que o povo de então cria que estava seguindo a religião do Estado e que a desobediência deveria ser punida com a morte. Esta convicção era compartilhada por protestantes e católicos. Hoje, algumas das normas de Calvino seriam consideradas como injustificadas interferências na vida particular. 

Em 1564, Calvino morreu. Seu frágil organismo não resistiu aos árduos combates pela causa do Evangelho. Teodoro Beza (1519-1605), reitor da Academia de Genebra, tomou a liderança do trabalho em Genebra.

As contribuições de Calvino

A maior contribuição de Calvino à fé reformada foram as suas Institutas, aceitas como expressão acabada da teologia reformada. Nesta obra, ele pôs os fundamentos de duas ênfases reformadas: a importância da doutrina e a centralidade de Deus na teologia cristã.

Epistológrafo copioso, muitas pessoas da Europa e idas ilhas britânicas lhe pediam conselhos. Suas cartas, com outros escritos, integram 57 volumes do Corpus Reformatorum, e existem 2000 de seus sermões. 

Calvino também incentivou a educação. Em substituição à Academia, ele criou em Genebra um sistema de educação em três níveis, hoje conhecida como Universidade de Genebra, fundada em 1559. Sua ênfase sobre a educação chegou aos Estados Unidos, quando algum tempo depois os puritanos, calvinistas, criaram escolas no novo mundo. 

Sob sua liderança, Genebra tornou-se uma inspiração e um modelo para os de fé reformada de outros lugares e um refúgio para os perseguidos por sua fé reformada. John Knox por algum tempo se refugiou em Genebra e se curvou ante à eloquência da pregação de Calvino. Seus muitos comentários sobre os livros da Bíblia são estudados até hoje pelos seguidores de suas ideias. A administração da igreja genebrina tornou-se modelo para as igrejas reformadas. 

Calvino também influenciou o avanço da democracia, porque aceitou o princípio representativo da direção da igreja e do Estado. Ele entendia que a Igreja e o Estado foram criados por Deus para o bem do homem e que, portanto, deviam, ambos, cooperar para o progresso do cristianismo. Sua ênfase na vocação como chamada divina e a importância que dava à frugalidade e ao trabalho estimularam o capitalismo.

Acham alguns que a teologia calvinista secciona o nervo do evangelismo e do esforço missionário. Entretanto, um estudo da história da expansão do Evangelho mostrará que aqueles que professam a fé reformada tiveram parte importante nos grandes reavivamentos do passado e nos movimentos missionários modernos. A influência deste talentoso pregador, sóbrio e emagrecido sábio, sobre a evolução da sociedade moderna ultrapassa em muito o seu físico frágil. Só mesmo a graça de Deus operando em sua vida explica adequadamente o trabalho que ele realizou e que até hoje frutifica. Ele foi, sem dúvida, um reformador internacional, cujo trabalho influenciou os Presbiterianos, Reformados e Puritanos.

Referências bibliográficas 

[1] V. o artigo de Wilhelmni Pauck, “Calvin's Institutes of Christian Religion” em Church History, 15 (Março, 1946), pp. 17-27.
[2] A Compend of the Institutes of the Christian Religion by John Calvin, H. T. Kerr, Jr. (Filadélfia. Presbyterian Board of Christian Education, 1939).
[3] Hillerbrand, op cit., pp. 188-96.
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   Autoria   Earle E. Cairns (1910-2008) foi o professor e chefe do departamento de História da Igreja de Wheaton College, instituição onde trabalhou por trinta e cinco anos. Também foi membro da Academia Americana de História da Igreja, da Associação Americana de História e da Conferência sobre Fé e História. Graduou-se Mestre e Doutor pela University of Nebraska. O texto é extraído de sua obra O Cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995 (cap. 28, III - A reforma calvinista em Genebra).

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