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Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ JOÃO CALVINO: GRANDE JURISTA NA HISTÓRIA FRANCESA


J. A. Lucas Guimarães | Historiador *

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Não poucas biografias sobre João Calvino (1509-1564), ao descrever seu currículo mantêm ausência ou pouca ênfase à sua profissão de formação em doutorado em Direito, portanto, um jurista (advogado). Não se pode deixar negligenciar esse fato, pois, além de figurar entre as principais profissões da época, em quesito de excelência acadêmica, prestigio político-social e natural desenvoltura à liderança por meio de cargos na administração pública, estrategista política ou formador de opinião como acadêmico ou escritor, o profissional em Direito encontra-se inserido em uma classe privilegiada de status quo estabelecido na sociedade. Por certo, não é possível biografá-lo como se fosse nula a influência de sua formação em Direito no desenvolvimento de sua vida e obra.

|✢Leia também: Calvino e o Direito

No entanto, a série Cambrigde Studies in Law and Christianity da Universidade de Cambrigde (Reino Unido), que publica produções acadêmicas de ponta (monografias inovadoras, antologias históricas e temáticas e traduções de acadêmicos renomados ao redor do mundo) com contribuições católicas, protestantes e cristãs ortodoxas ao direito público, privado, penal e processual, bem com à teoria jurídica, lança uma coletânea de trabalhos, editados por Olivier Descamps e Rafael Domingo, intitulada Great Christian Jurists in French History (Cambridge University Press, 2019), preenche essa lacuna, de forma a figurar como marco historiográfico e literário do estudo sobre o reformador. O editor geral da série, John Witte Jr., justifica a pertinência da obra e seu valor dentre as demais publicadas, pontuando sobre a relação da influência da cultura jurídica francesa, sem a ausência das contribuições de juristas cristãs:

A cultura jurídica francesa, da Idade Média até os dias atuais, teve uma influência impressionante nas normas e instituições jurídicas que surgiram na Europa e nas Américas, bem como em países asiáticos e africanos. Este volume examina a vida de vinte e sete pensadores jurídicos importantes na história francesa, com foco em como sua fé e ideais cristãos foram um fator na estruturação da evolução da jurisprudência francesa. Os professores Olivier Descamps e Rafael Domingo reúnem este grupo diverso de renomados acadêmicos e historiadores jurídicos para fornecer um estudo comparativo único sobre direito e religião que será valioso para acadêmicos, advogados e estudantes. A colaboração entre acadêmicos franceses e não franceses, e a diversidade de perspectivas internacionais e metodológicas, dão a este volume seu próprio caráter único e valor para adicionar a esta série fascinante.

Entre os grandes juristas cristãos na História francesa, o capítulo sete da obra, sob autoria de John Witte Jr., o editor geral da série, é dedicado ao jurista cristão João Calvino. No resumo do artigo, sob título de John Calvin, o autor antecipa os motivos da nomeação do reformador, ao esclarecer que:

O reformador protestante nascido na França, João Calvino, liderou uma ampla reforma da lei, da política e da sociedade na Genebra do século XVI. Com base em fontes clássicas e cristãs anteriores, Calvino desenvolveu uma teoria inovadora e integrativa de direitos e liberdades, igreja e estado, autoridade e poder, lei natural e lei positiva. Particularmente marcante foi seu uso do Decálogo como fonte e resumo da lei natural e como modelo para leis e direitos espirituais e civis em uma república cristã. Também nova foi sua teoria dos usos da lei natural e positiva para cultivar uma moralidade civil básica e uma moralidade espiritual aspiracional a cada membro da comunidade. Calvino e seus seguidores acreditavam na lei como um impedimento contra o pecado, um incentivo à graça e um professor da virtude cristã. Eles também acreditavam na liberdade: estruturando suas igrejas e estados para minimizar os pecados de seus governantes e maximizar as liberdades de seus súditos. Calvino destilou seus ensinamentos legais em diversas leis públicas, privadas, penais e processuais em Genebra. E ele os transmitiu amplamente entre outros juristas, teólogos e líderes políticos franceses e europeus de sua época. Seu trabalho ajudou a moldar o pensamento e a prática legais ocidentais, até mesmo o Iluminismo moderno, e vários de seus ensinamentos básicos sobre direito, política e sociedade ainda vivem hoje: tanto no pensamento legal secular quanto nas igrejas protestantes modernas.

É vaga a ideia de que João Calvino atuou em Genebra como um Moisés ao povo de Israel pelo Pentateuco, parecendo até que legislou até mesmo sobre o modo que o indivíduo deveria respirar e à consequente punição pelo descumprimento da regra. O apóstolo Paulo alertou para o fato de que sem lei não existe transgressão. Genebra já se encontrava sob ordenação jurídica quando Calvino iniciou pastorado nela e ao dar prosseguimento em sua volta pós-exílio genebrino. A configuração social da cidade havia mudado radicalmente com a presença de refugiados de diversos lugares e sob diversas ordenanças. As denúncias se acumulavam com diversidade de acusações que somente poderiam serem assistidas de forma vaga pelo aparato jurídico genebrino. A lei não é formulada como limitadora da liberdade, mas como garantia que ela não seja violada. Ela também não busca prever penalidade, mas mecanismo à organização (ordem) da liberdade. A lei não é proibição, mas concessão para não ocorrer a necessidade de interdição. Se a jogatina eleva o número de endividamento de chefes de famílias e pressiona a sociedade com repentina situação de pobreza extrema delas, a elaboração de leis que limite o funcionamento e acesso ao risco de azar financeiro, ainda que podendo ser entendida pelos frequentadores como condicionamento de sua liberdade, visa proteger o bem-estar social de um eminente caos sob amostra pontual verificada. Se o funcionamento permanente das tabernas encontra-se como fator principal de disputas, crimes de honra e atentado ao pudor, a aprovação de dispositivos legais para sufocar o excesso do afrouxamento da timidez pelo consumo de bebida, nesse espaço em que o desgosto busca desabafo em acerto de honra pela violência ao outro, será recebida como tentativa purista para negar até mesmo o direito do entretenimentos. Se perde eco a voz que buscava convencer que Calvino impor leis à cidade de Genebra como se fosse para organização de clausura em Convento. Os gemidos que se ouve, através das fontes históricas, como produzidos pela opressão da lei, são dos mesmos corpos que produziram o barulho do inconveniente social, gerador do necessário ditame legal para o abafar.

|✢| Saiba mais: A relação de João Calvino com o direito

Foi pensamento difundido sobre o quanto a cidade de Genebra padeceu sob pastorado de João Calvino ao suportar sua mania de elaboração de lei para tudo em domínio de todos. Lamentável devaneio que caricaturou o reformador como ditador e inimigo da felicidade do outro. O contrário tem o apoio da verdade história: o quanto Calvino trabalhou duramente, sob a resistência de sua engenharia de legalidade feudal, na arquitetura da cidade de Genebra, como antecipação da futura sociedade humana de leis civis, que tão logo se encenaria na Revolução Gloriosa (inglesa), ecoaria na retórica iluminista, seria pauta da Carta de Independência Americana e ganharia extensão com a vitória da Revolução Francesa sobre o Antigo Regime pela Declaração dos Direitos do Cidadão. Se a França figura como continua marco em sua contribuição à cultura jurídica moderna, por certo deve-se a considerável vitória calviniana à resistência genebrina, tornando-a a cidade em espaço de pertinentes, inovadores e empreendedores uso de sua competência jurídica para prevê soluções legais oriundas dos impasses sociais enfrentados, com vista a evitar que a cidade convivesse com estacionamentos devido as constantes comoções, revoltas e ameaças internas e externas. Desse modo, a influência jurídica de Calvino em Genebra não é resultado de fanatismo religioso. É o que a inclusão de seu nome entre os grandes juristas cristãs da história francesa comprova. Sua atuação como jurista foi lógica, legal, consciente e idealizadora. Como jurista, portanto, Calvino atuou na sociedade genebrina na condição de legislador e não como juiz.

Não é estranho que se conceba a ordenação jurídica como formadora da identidade e cidadania da sociedade. Naturalmente, a cultura da sociedade é forjadora de suas leis: como pratica de todos, quando alguém infringe essa normativa cultural, torna-se inevitável a comoção popular de estranhamento ao desordeiro a ponto dele correr risco de morte. Em semelhante caso, tem-se a elaborada de lei específica da inflação, que direciona a moção popular à denuncia do infrator. No entanto, quando é necessário que a sociedade assuma determinada prática como sua cultura, é na elaboração de lei à sua concessão gradativa, que fornece a legitimidade à motivação de sua efetivação cultural. Como jurista, Calvino sabia que para Genebra avançar em um momento tão crítico de sua história e da Europa era necessário que ela se tornasse um corpo funcional em intelectualidade, assistência social, doutrina religiosa, educação para todos e mediação da liberdade e da obediência civil. Diante dele se encontrava uma cidade dividida em duas: quanto à religião (a antiga católica e a recém-protestante) e em relação à população (cidadão e refugiados). Não é por acaso que Calvino logo se apressou em usar o instrumental jurídico na formulação de lei à concessão gradativa da sociedade genebrina, visando tornar, por exemplo, a crença protestante parte de sua identidade e cidadania.

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* J. A. Lucas Guimarães é Mestre em Ciência da Religião (UPM/SP), historiador-docente, pastor presbiteriano, organizador do Blog Calvino21, membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Praia Grande (IHGPG), tendo como patrono o reformador João Calvino, e autor do livro Calvino, Ciência e fake news, dentre outros.

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