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✢ GENEBRA OBTÉM POSSE DE MANDATO EMITIDO A CALVINO
J. A. Lucas Guimarães *
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Em 12/10/2017, o Estado de Genebra restituiu ao patrimônio do Arquivo Público, sob sua tutela, o mandato expedido pelo Conselho ao tesoureiro geral, em data de 15/10/1553, com ordem de pagamento em favor de João Calvino, referente à remuneração trimestral pelo exercício do ofício de ministro da Palavra. Possivelmente, ele foi tomado dos Arquivos do Estado através de acesso de um renomado historiador no século XIX, no intendo de adicionar ao catalogo de sua coleção certos documentos oficiais em depósito. Quando empreendeu tentativa de vender as peças catalogadas, não obteve resultado. Nisso, os documentos, posteriormente, foi mantido com a segunda geração da família. Somente sob manutenção da terceira geração, ocorreu a disposição de devolvê-los ao Arquivo Publico. No entanto, ao verificar a exposição de documentos pertencentes ao Arquivo do Estado em catálogo de vendas de leilões após a devolução da família, supõe-se que não houve a devolução de todos os documentos tomados do Arquivo. Isso explicaria o fato de alguns de seus documentos oficiais terem sido encontrados como mercadoria do comércio de artefatos históricos.
Mandato e esclarecimento de equívoco sobre Calvino
Um detalhe que serviu de munição aos opositores de Calvino diz respeito à fixação de sua remuneração pelo exercício do ofício de ministro da Palavra em Genebra. Caricaturado como ditador político na cidade, consideravam que existia ingerência dele no estabelecimentos de seus vencimentos. Não faltou quem maldosamente insinuasse que Calvino detinha posse de grandes propriedades, mantidas sob sigilo, dada à fortuna que recebia de remuneração pelo ofício eclesiástico.
Leia também: Calvino: simplicidade e pobreza
A retomada de posse desse documento histórico ao Arquivo Público genebrino esclarece, conclusivamente, a respeito do nível de ingerência de Calvino sobre o Conselho da cidade no estabelecimento de sua remuneração e fixação de vencimentos pelo exercício de ministro da Palavra. Ainda que pesquisas bibliográficas e produções biográficas contemplem opiniões verificadas no mandato, reconhecida como parte do evento sob abordagem, ele ocupa imediata posição de referência primária, como fonte histórica. .
No século XVI, os serviços contratados para pagamento com recursos financeiros destinados à benfeitoria pública eram liberados através de documento oficial, chamado de "mandato" (ordem de pagamento). Ele era expedido pela autoridade ou órgão contratante destinado ao tesoureiro geral, responsável pelo pagamento da quantia indicada ao contratado nominado no mandato. Ao efetivar a transferência da quantia indicada no ato do pagamento, o nominado dá ciência do cumprimento do mandato, assina e data o referido. O documento passava a valer como comprovante da ocorrência do pagamento (recibo de pagamento).
Era comum em Genebra que a remuneração dos ministros e dirigentes ocorressem trimestralmente, sob expedição de mandato do Conselho ao tesoureiro geral, com indicação da quantia do pagamento. O mandato retomado à posse do Governo de Genebra, datado de 15/12/1553, é a comprovação do efetivo cumprimento do mandato, pelas autoridades de Genebra, de pagamento a João Calvino, referente a devida remuneração trimestral de seu ofício como ministro da Cidade, do qual confirmava recebimento, datação (29/12/1553) e assinava.
Convém recordar que a Igreja era da cidade de Genebra e não de uma organização religiosa ou de determinada denominação. Portanto, era parte do serviço público genebrino. Algo bem característica da expressão eclesiástica protestante primeva. Em torno desse fato é que ocorre o maior embate entre Calvino e o Conselho da cidade. Não que ele fosse contra ao pertencimento da igreja à organização pública da cidade. Para ele, o pertencimento da igreja à coisa pública não significava, necessariamente, tê-la sob direta administração do Conselho. Na existência, presença e pertinência de duas autoridades, civil (do Estado) e espiritual (da igreja), a relação entre ambas deve ser de mutualidade e não de submissão. A igreja pode prestar seu serviço público à comunidade no uso da moral, para protegê-la dos males dos vícios e de atos difamadores através da denúncia. Todavia, mas não lhe cabe o direito de julgar e sentenciar, que é devido ao poder civil. Isso é verificado no conteúdo de sua Instrução e Confissão de Fé usada na Igreja de Genebra (1537), que no capítulo sobre o magistrado já consta os princípios de ensino “teológico-político” calviniano, também encontrados na Instituição da Religião Cristã, como segue: 1) a natureza útil e recomendável, como também honroso da tarefa política; 2) a função específica dos magistrados, sob a precisa legitimidade no ofício de ministros que Deus comissionou à defesa e livramento dos inocentes, bem como a combater os maus e a desordem; 3) o dever dos súditos de obedecê-los; e 4) o limite dessa obediência, ou seja, a obrigação absoluta de submissão à vontade divina.
João Calvino foi convidado pelo Conselho ao cargo de ministro da Palavra para exercício na Igreja de Genebra. Sob resposta favorável, ele se torna ministro da cidade. Como cargo público, no convite do Conselho contava a proposta de remuneração e, caso houvesse, regalias inerentes ao cargo. Com vencimentos em quatro trimestres, o salário anual estabelecido a Calvino era de 500 florins (moeda de ouro com emissão originada em Florença), acrescentados de determinada quantidade de vinho e trigo. Sob referência oficial, constata-se que ele foi contratado, certamente com base em categoria que exigia nível de formação ao cargo. Em Genebra, a remuneração de um professor era de 450 florins por ano, enquanto um trabalhador no exercício de pedreiro recebia a quantia de 100 florins (quatro vezes menos). Conclui-se, atento à relação exposta, que a composição do salário do reformador seguia a política de remuneração salarial genebrina. Nada de acréscimo oriundo da ingerência de sua autoridade ou de elevada gratificação dada a sua fama, como se observa no texto do mandato, traduzido a seguir:
“Nós, síndicos e Conselho de Genebra, etc., ao nosso amado tesoureiro geral, saudação, etc., e ordenamos que entregues ao [respeitável] Sr. João Calvino, nosso amado ministro da palavra de Deus nesta cidade, a quantia de cento e vinte e cinco florins de pequeno peso, devida a ele como pagamento deste trimestre de Natal, pela qual soma, ao devolver esta nota e liberá-lo, consideraremos a dívida quitada. Dado no dia quinze de dezembro de 1553.Bothellier. Pierre Wandel. Beguin”[assinaturas].
“Eu confesso ter recebido a quantia aqui mencionada das mãos do senhor tesoureiro Dupuis, neste 29 de dezembro de 1553. J. Calvin” [assinatura].
┐♥┌
* Autoria J. A. Lucas Guimarães é organizador do Blog Calvino21, historiador, pastor presbiteriano, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM/SP), com João Calvino por patrono é membro do Instituto Histórico e Geográfico de Praia Grande/SP (IHGPG) e escritor, com várias obras publicadas sobre o reformador francês, dentre as quais o livro Calvino, Ciência e fake news.
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