Pular para o conteúdo principal

Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Série Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  representado por Nicolau Copérnico (1473-1543) com sua teoria do movimento da Terra ao redor do Sol

✢ CALVINO E LEGADO À OCIDENTALIDADE MODERNA

J. A. Lucas Guimarães *

✢ ✢ ✢

Introdução – Da ocidentalidade moderna e calvinista

João Calvino, jurista, teólogo e reformador protestante do século XVI, figura entre as principais personagens da História do Cristianismo. De presença decisiva à sustentação da Reforma Protestante e expansão do Protestantismo reformado, a inserção de suas ideias na sociedade secular tornou-se elemento marcante à formação da cultura do Ocidente moderno. Portanto, sua influência é verificada muito além das fronteiras religiosas, ao nortear em níveis filosófico, prático e moderno os aspectos ocidentalidade política, econômica, ética e cultural, sob os fundamentos calvistas da governança repúblicana e do direito civil democrático. O legado de Calvino é reconhecido pelo efetivo alcance de suas ideias às multiplas estruturas e conjunturas da nascente sociedade ocidental moderna, as quais ainda permanecem pertinentes no, já avançado, século XXI.

1. Calvino e seu sistema teológico como filosofia da ocidentalidade moderna

Sem dúvida, o principal legado de João Calvino verifica-se na sua exposição do sistema teológico cristão de inegável coerência, ordem e concisão que, a exemplo de Agostinho de Hipona (séc. IV) e Tomás de Aquino (séc. XIII), confere-lhe a autoria de inspirador do movimento denominado pelo seu nome, que se tornou uma das principais correntes do Protestantismo: o Calvinismo. Enquanto a Martinho Lutero é conferido a obra de início da Reforma Protestante, Calvino ocupa a posição de sistematizador da teologia reformada, expondo-a numa estrutura doutrinária sólida e coesa. Através de sua obra magna, intitulada de "As Institutas da Religião Cristã" (1536), ele disponibilizou uma exposição abrangente das doutrinas cristãs protestantes, que influenciou significativamente a formação de igrejas reformadas em toda a Europa e, posteriormente, das colônias no Novo Mundo.

O Calvinismo, com sua ênfase na soberania de Deus e na autoridade das Escrituras, moldou profundamente a vida religiosa e comunitária de países como Suíça, Países Baixos, Escócia e partes da França. Os puritanos, protestantes oriundos de movimento religioso inglês e adeptos das ideias calvinianas, desempenharam um papel crucial na fundação das colônias americanas e na formação da identidade cultural e religiosa da futura nação. Esses fatores foram determinantes à independência das colônias, de seu bem-sucedido governo republicano. A analogia usada na Inglaterra à notícia da independência das colônias americanas testemunha a abordagem acima: "Nossa filha América, fugiu com um pastor presbiteriano."

2. A influência sociopolítica calviniana à ocidentalidade moderna

A doutrina luterana do "sacerdócio de todos os crentes" foi conduzida por Calvino para implicações políticas significativas, além daquela promovida pela consciência de que cada indivíduo tem acesso direto a Deus sem a mediação de um clero hierárquico de caráter exclusivo. Essa acessibilidade ocorria do fato de Deus, ao graciosamente em adoção através de Cristo, inclui na família de seu reino, não por mérito, barganha ou condição sociorracial, mas para demostração de sua adoção através das virtudes da liberdade de consciência, auxílio ao próximo e justiça social. Isso se fixou como uma centelha à promoção de uma visão mais igualitária das relações humanas, que se refletiu na organização social e política de governo e de exercício da cidadania. O governo de Genebra, onde Calvino exerceu pastorado e influência, tornou-se um modelo republicano de expressão democrática como equilíbrio entre governo civil e autoridade religiosa. De modo, evitou-se que o pêndulo pendesse à teocracia política ou ao extremo da ditadura civil, mas fixado à intermediação do governo civil e da autoridade religiosa. Desse modo, a cidade genebrina vivenciou um governo com uma forte ênfase na moralidade pública (compromisso e comprometimento) e na participação cívica (cidadania e empreendimento).

Essa visão calvinista de governo influenciou o desenvolvimento das ideias democráticas e republicanas no Ocidente. A noção de que os governantes estão sujeitos às mesmas leis morais que os governados e que devem prestar contas à comunidade é um princípio que ecoa nas constituições democráticas modernas.

3. O padrão geopolítico calviniano ao Ocidente

João Calvino era refugiado em Genebra. Ao adotar o protestantismo como expressão religiosa do seu Cristianismo, a cidade tornou-se lugar de refúgio para numerosos protestantes de diversas regiões em fuga da perseguição religiosa em prática onde residiam. Principalmente ao assumir seu segundo período de pastorado em Genebra, o que colocado em prática em pastorado em Estrasburgo, a atenção de Calvino se mantem de forma notória à assistência aos refugiados. Quando a questão de abertura das fronteiras à entrada de refugiados tornou-se uma problemática mundial, a forma bem-sucedida de Calvino em Genebra de enfrentamento do desafio da assistência aos refugiados e dos mecanismos que propôs para equipar a cidade com condições de assisti-los e os inserir na dinâmica da cidade, aponta para possibilidade de solução prática e duradoura à questão da locação dos refugiosos.

Primeiramente, a luta de Calvino em prol dos refugiados ocorreu dada à comoção comprometedora que se levantava com a chegada de refugiados e a condição de indigência que se formava em torno deles: ausência de moradia, alimentação adequada e acesso às demais garantias de subsistência e ascensão social. Por mais que a cidade fosse singularmente generosa com os refugiados, suas leis não previam ações práticas de assistência e necessidade de proteção dos recursos da cidade eram barreiras apropriadas a manutenção da indigência deles. Por certo, Calvino entendeu que a saída desse ímpasse somente seria possível se estruturasse a cidade para esse novo desafio. O mais recente havia sido de sua escolha ao protestantismo. Para isso, fundamentou-se em leis e ordenações urbanas à sua nova prática relgiosa. Outra necessária adaptação era dada ao seu convencimento peu seu pastor e reformador protestante.

Por influência da ação pastoral calviana, além de dispor sua rede de assistência à saúde e educação aos refugiados, o que foi necessário investimento em sua ampliação, a cidade se dispõe à criação de um fundo de assistência aos refugiados, ao qual o próprio Calvino era contribuinte. Entre os refugiados assistidos estavam artesões que tornaram Genebra a cidade de formosos relógios e, por fim, a sede dos direitos humanos. 

Não seria esse o modelo, de inspiração calviniana, necessário ao enfrentamento à crise mundial diante da multidão de refugiados às fronteiras dos países? Em vez de os deter, prepara-se para os assentar em seus limites; antes de considerar o risco de desequilíbrio em sua economia, organizar um fundo financeiro para os assistir; e se oportunizar em os inserir conforme a potencialidade de sua especialidade à possibilidade do avanço social e tecnológico.

João Calvino foi pastor de refugiados e não refúgio teológico. O sucesso obtido pela sociedade genebrina à audição de seu desafio na superação de diversos condicionamentos sociais, é possível se repedir dada à audição da sociedade atual às propostas calvinianas? Certamente, elas não estão fora do que se poderia prever como mecanismo de intervenção. 

4. Calvino e o espírito do capitalismo ocidental

Outro aspecto em referência como legado de Calvino é sua contribuição indireta ao desenvolvimento do sistema capitalista moderno, popularizado pelo conceito weberiano de "ética protestante". Em sua obra clássica "A ética protestante e o espírito do Capitalismo" (1905), o sociológo alemão Max Webeer defende a tese de que a ética calvinista, pautada no trabalho, poupança e disciplina pessoal, quando sua influência predominou sobre a sociedade, propiciou o ambiente favorável ao desenvolvimento do capitalismo.

O sucesso no trabalho era visto como um sinal da graça divina para os calvinistas. Para eles, a riqueza acumulada não deveria ser consumida de forma extravagante, mas investida novamente. Isso teria motivado o desenvolvimento de uma economia baseada no empreendedorismo financeiro e produtor, em contraste com as práticas econômicas feudais ainda em vigor.

5. Calvino e a modernidade financeira ocidental

Por milhares de anos, o dinheiro era usado conforme a lógica do "escambo", ou seja, da troca de mercadoria (desprendimento, aquisição e consumo). O dinheiro ainda não apreendido como mercadoria de troca, pois não era considerado como um bem material. O valor do dinheiro encontrava-se no fato dele mediar a troca de mercadoria. A riqueza, portanto, não se encontrava no fato da posse do próprio dinheiro, mas na sua possibilidade de mediar a posse de determinado bem do outro. Não tendo caráter mercadológico em si mesmo, sob ele se encontra a normativa proibitiva da Igreja medieval de seu uso à semelhança de mercadoria. Isso significava a interdição de seu empréstimo à juros, dito formalmente, da usura do dinheiro.

Além da doação, a forma mais conhecida pela igreja, que dava ao beneficiado o poder de aquisição da mercadoria pedinte, tinha-se o dinheiro como símbolo representativo da transferência da posse de bens, comumente acompanhada de escritura de prova da legalidade da transação comercial. No entanto, Calvino questiona o entendimento dado ao dinheiro, certamente em atenção a verificação de sua evolução motivada pelas exigências da expansão comercial marítima e geográfica. Para ele, o dinheiro era também uma mercadoria e, como tal, passivo de empréstimo: dinheiro por ele próprio ou dinheiro para ganho por ele próprio (juros). O reformador faz vincular o sentido de empréstimo que ocorria no uso de aluguel. O dinheiro é usado não à aquisição de mercadoria, mas à obtenção de emprestímo à posse de certo bem do outro, cuja devolução é fixada por determinação do tempo de uso e pagamento acordado.

Diante dos juros abusivos atualmente, é fácil olhar atravessado à posição calviniana. No entanto, ele alerta para o fato do empréstimo não ser indicado ao pobre, dado ao risto de gasto em prol de sua subsistência, o que incorreria em seu endividamento. Calvino tem mente a atualização do empréstimo à juros para quitação de dívida ou realização de empreendimento. À época, uma divida poderia encerrar o devedor na prisão ou à escravidão. Um empréstimo seria muito oportuno no caso do devedor não ter posse do montante da dívida, mas meios de quitá-la sob sequência de parcelas determinadas por tempo e valor. Também, então, um empreendimento poderia ser executado, mesmo sem a presente condição financeira do empreendedor. Porque com o empréstimo, executava-se o pretendido e, como esperado, poderia quitar a dívida com o ganho advindo do empreendimento. Contudo, era necessário que a negociação financeira do empréstimo gerasse lucro, cuja perspectiva de Calvino, deveria ocorrer a ambos.

Se com o mesmo dinheiro emprestado, seria possível comprar uma vaca, por exemplo, visando em menos de dois anos a posse de duas e ganho na venda de leite, a cobrança de juros não era extranha à dinâmica comum de lucro. A riqueza, que Calvino faz-nos pensar que a riqueza, o aumento da posse de bens como garantia da manutenção de sua suficiência para não incorrer em comprometimento da própria subsistência ao assistir os necessitados, é resultado de empreendimento, lucro e poupança. Por sua vez, a pobreza é um constante risco de perda da subsistência, que necessita de auxílio e o recebe sob consciência de que é um empreendimento momentâneo em busca de sua permanente subsistência, de acordo com a favorável providência divina. 

6. Educação e Cultura

Calvino também deixou um legado significativo na área da educação. Ele acreditava que todos os cristãos deveriam ser capazes de ler as Escrituras por si mesmos, o que levou à promoção da alfabetização e à fundação de escolas. Em Genebra, Calvino estabeleceu a Academia de Genebra (mais tarde conhecida como Universidade de Genebra), que se tornou um centro de excelência acadêmica e teológica. Sua ênfase na educação teve um impacto duradouro, particularmente nas nações protestantes, onde a educação universal se tornou uma prioridade.

Além disso, a cultura calvinista incentivou a produção intelectual e artística, embora dentro de um marco moral rigoroso. O impacto de Calvino na literatura, na música e na arte foi mais restritivo em termos de formas e conteúdos, mas seu incentivo à leitura, ao estudo e ao debate intelectual deixou marcas profundas na cultura ocidental.

Considerações finais

O legado de João Calvino para o Ocidente é vasto e complexo. Suas ideias moldaram profundamente a teologia protestante e tiveram ramificações que transcenderam a esfera religiosa, influenciando a política, a economia e a cultura ocidentais. Sua visão de uma vida guiada pela soberania de Deus e pela responsabilidade pessoal continua a ser uma força poderosa na sociedade contemporânea, demonstrando a relevância duradoura de seu pensamento. Em última análise, o impacto de Calvino reside na maneira como ele integrou a fé com todos os aspectos da vida, criando um modelo de sociedade em que a religião e a moralidade desempenham papéis centrais.

________________

* J. A. Lucas Guimarães é o organizador do blog Calvino21.

✢ ✢ ✢

Comentários

Postagens mais visitadas