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✢ OS SALMOS: ANATOMIA DA ALMA HUMANA
Leonardo Boff *
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Os Salmos constituem uma das mais elevadas formas de oração que a humanidade produziu. Milhões e milhões de pessoas – judeus, cristãos e religiosos de todas as tradições, recitam e cantam salmos todos os dias, especialmente religiosos e religiosas e sacerdotes no comumente chamado “ofício das horas” diário.
Não sabemos exatamente quem são seus autores, pois eles foram coletados das orações que circulavam no meio do povo. Certamente muitos são de Davi (século X a.C.), considerado, por excelência, o protótipo do salmista. Foi pastor, guerreiro, profeta, poeta, músico, rei e profundamente religioso. Conquistou o Monte Sião dentro de Jerusalém e ali, ao redor da Arca da Aliança, organizou o culto e introduziu os salmos.
Os Salmos testemunham a mais profunda convicção de que Deus, apesar de habitar numa luz inacessível, está no meio de nós, habitando como numa tenda (shekinah). Podemos alcançá-lo por meio de súplicas, lamentações, louvores e ações de graças. Ele está sempre disposto a ouvir!
O lugar denso de sua presença é o Templo, onde os salmos são cantados. Mas como o Criador do céu e da terra, ele está igualmente em toda parte, embora ninguém possa contê-lo.
Não é à toa que os hebreus diziam com orgulho: “Ninguém tem um Deus tão próximo como o nosso”, próximo de cada um e no meio do seu povo. Os salmos revelam a consciência da proximidade divina e da proteção consoladora. Por isso, há neles intimidade pessoal, sem cair na intimidade individualista. Há oração coletiva, sem excluir a experiência pessoal. Uma dimensão reforça a outra, pois cada uma é verdadeira: não existem pessoas sem o povo ao qual pertence e não há povo sem as pessoas livres que o forma.
Ao recitar os salmos, encontramos neles nossa radiografia espiritual, pessoal e coletiva. Neles identificamos nosso estado de espírito: desespero e alegria, medo e confiança, luto e dança, desejo de vingança e desejo de perdão, interioridade e fascínio pela grandeza do céu estrelado. O reformador João Calvino (1509-1564) expressou-o bem no prefácio de seu grandioso comentário sobre os salmos:
“Estou habituado a definir este livro como uma anatomia de todas as partes da alma, porque não há sentimento no ser humano que não esteja ali representado como num espelho. Eu diria que o Espírito Santo colocou ali, diretamente, todas as dores, todas as tristezas, todos os medos, todas as dúvidas, todas as esperanças, todas as preocupações, todas as perplexidades, até as emoções mais confusas que habitualmente agitam o espírito humano.”
Pelo fato de revelar nossa autobiografia espiritual, os salmos representam a palavra do ser humano a Deus e, ao mesmo tempo, a palavra de Deus ao ser humano. O saltério sempre serviu como um livro de consolação e uma fonte secreta de significado, especialmente quando o desamparo, a perseguição, a injustiça e a ameaça de morte irrompem na humanidade. O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) dá este testemunho inesperado:
“Das centenas de livros que li, nenhum me deu tanta luz e conforto como estes poucos versículos do Salmo 23: “O Senhor é o meu pastor e nada me faltará; Ainda que eu caminhe por um vale escuro, não temerei mal algum, porque Tu estás comigo.”
Um judeu, por exemplo, cercado por crianças, foi empurrado para as câmaras de gás em Auschwitz. Ele sabia que estava caminhando para a morte e, no entanto, estava recitando o Salmo 23 em voz alta: “O Senhor é meu pastor... Ainda que eu passe pela sombra do vale da morte, não temerei mal algum porque Tu estás comigo.” A morte não quebra a comunhão com Deus. É um passo, embora doloroso, rumo ao grande abraço infinito da paz eterna.
Finalmente, os salmos são poesia religiosa e mística em sua mais alta expressão. Como toda poesia, recriam a realidade com metáforas e imagens retiradas do imaginário. Este obedece a uma lógica própria, diferente daquela da racionalidade. Através do imaginário, transfiguramos situações e acontecimentos, detectando neles significados ocultos e mensagens divinas. Por isso, dizemos que não apenas habitamos prosaicamente o mundo, captando o sentido manifesto da rotina dos acontecimentos. Também habitamos poeticamente o mundo, vendo o outro lado das coisas e um outro mundo dentro do mundo da beleza e do encanto.
Os salmos nos ensinam a habitar poeticamente a realidade. Então, ela é transmutada em um grande sacramento de Deus, cheio de sabedoria, advertências e lições que tornam mais segura nossa peregrinação à Fonte. Como diz com razão o salmista: “No meio dos perigos, preservas a minha vida... e estás a meu favor até o fim” (Sl. 138.7-8).
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* Texto traduzido por J. A. Lucas Guimarães de produção do teólogo e filosofo católico Leonardo Boff, intitulado de Los Salmos: anatomía del alma humana. Disponível em: http://www.redescristianas.net/los-salmos-anatomia-del-alma-humanaleonardo-boff-teologo-y-filosofo/. Acesso em: 15/6/21.
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