Mark Schaw *
HÁBITO Nº 2: PRATIQUE A NEGAÇÃO DO EU
De
Mateus 16.24, Calvino retirou três elementos centrais da vida cristã: “A si
mesmo se negue, tome a cruz e siga-me.” O que ele entendia por essa negação do
eu? Para Calvino, a autonegação não era apenas o flagelo do corpo ou deixar de
ingerir doces durante a Quaresma. A
verdadeira negação do eu vai muito além desses procedimentos superficiais. A
base da negação do eu é uma questão de posse. Quem realmente está no controle
de minha vida: Deus ou eu? Para Calvino, a resposta egoísta era inaceitável. O
verdadeiro dono de cada pessoa é o Deus que criou, sustenta e redime.
A espiritualidade calvinista é construída com
base em Romanos 12.1-2 e a negação dupla que essa passagem ensina:
(1) não
pertencemos a nós mesmos e (2) pertencemos a Deus. Não existe um pecado em
particular que deva ser mortificado primeiro, mas a raiz do pecado, que é a
nossa autonomia em relação a Deus.
O
que Calvino quis dizer quando afirmou que não pertencemos a nós mesmos?
Nós
não somos nossos; portanto, nossa razão não controlará nossos planos e ações.
Não somos nossos; não nos proponhamos a este fim de acordo com o que convém à
carne. Não somos nossos; portanto, até onde seja exequível, esqueçamos a nós
mesmos e a tudo que é nosso (3.7.1).
Se
não somos pessoas autônomas, então quem somos? A resposta de Calvino é que
somos criaturas pertencentes a Deus. A essência do calvinismo não é aprisionada
pelas doutrinas da eleição ou da predestinação, mas se encontra na declaração
de Calvino a respeito da posse de Deus sobre as nossas vidas:
Pelo
contrário, somos de Deus, logo, para ele vivamos e morramos; somos de Deus,
logo, a todas as ações nossas presidam a sabedoria e a vontade; somos de Deus,
logo, para com ele, como ao só legítimo fim, se polarizem as expressões todas
de nossas vidas. Oh, quanto há de proveito experimentado aquele que, ensinado
que se não pertence, ab-rogou à sua própria razão a soberania e o mandato para
que a Deus o aproprie! (3.7.1).
Essa
negação fundamental do eu leva a uma negação específica de nossa preocupação
com o eu e a vontade própria. Precisamos nos preocupar com o nome, a vontade e
o plano de Deus, e não os nossos:
Pois
quando a Escritura nos manda renunciar à consideração particular de nós
próprios, não só do ânimo nos expunge a cupidez de possuir, a afetação do
poder, o favor dos homens, como também nos erradica a ambição, e todo anseio de
glória humana, e outras pestes mais secretas (3.7.2).
Uma
vida de negação do eu muda a maneira como nos relacionamos com os outros.
Calvino destacou que o orgulho, o ciúme e a inveja (e a rivalidade que eles
produzem) são endêmicos nos relacionamentos humanos:
Mas
ninguém há que não nutra interiormente algum conceito de sua excelência
própria. Destarte, a si adulando, no peito, um a um, engendram os homens um
reino, pois, em a si arrogando o de que se aprazam, censura movem acerca do
caráter e dos costumes dos outros (3.7.4).
Sendo
esse o caso, a gentileza, a humildade e a inferioridade diante dos outros são
as principais marcas da negação do eu em nossos relacionamentos. Quando
negamos a nós mesmos, procuramos usar nossos recursos para o bem dos outros, e
não apenas para nós mesmos. Calvino
insiste que:
A
Escritura, porém, para que pela mão a isto nos conduza, premune que todas as
graças do Senhor que obtemos nos são confiadas com esta condição; que se
destine ao bem comum da Igreja e, por isso, o uso legítimo de todas as graças é
o liberal e generoso compartilhar com os outros (3.7.5).
A
autonegação buscará servir até ao mais indesejável, pois não surge de um amor
egoísta, mas de um amor pelos outros por causa de Deus. Mesmo:
[...]
quando não só nada de bom há merecido, mas até te há provocado com injustiças e
malefícios, não é esta, na verdade, justa causa por que te deixes tanto de
abraçar com amor quanto de cumular dos benefícios da estima (3.7.6).
O
contentamento é a expressão primária da negação do eu diante de Deus:
Também
resta que não porfiemos cobiçosamente por posses e honras, fiados ou em nossa
própria agudeza de intelecto, ou em nossa diligência de ação, nem no favor dos
homens, ou confiados na vã imaginação da sorte; pelo contrário, volvamos sempre
os olhos para com o Senhor, a fim de que, por seus auspícios, sejamos
conduzidos a qualquer destino que nos haja ele providenciado (3.7.9).
Em
resumo, a prática da negação do eu levará a atitudes de desapego e
contentamento. Segundo a conclusão de Calvino, a pessoa que aprendeu a negar
a si mesma ficará contente com:
[...]
o que quer que lhe aconteça, porque o saberá ordenado pela mão do Senhor,
recebê-lo de ânimo sereno e agradecido, para que não resista contumazmente à
autoridade daquele a cujo poder a si próprio e a tudo o que é seu há submetido
de uma vez por todas (3.7.10).
Esse é o segredo espiritual da negação do eu.
____________________________
* Extraído e adaptado de SHAW, Mark. Lições de mestre. São Paulo: Mundo Cristão, 2004.
Hábito nº 2: pratique a negação do eu
Hábito nº 3: carregue a cruz
Hábito nº 4: olhe para a eternidade
Hábito nº 5: use tudo desta vida para a glória de Deus
Hábito nº 6: seja persistente na oração
Comentários
Postar um comentário