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✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  J. A. Lucas Guimarães | Organizador ✢ ✢ ✢ Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Coleção  Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. | ✢|   Conheça a Coleção Calvino21 :   PubliCALVINO21 Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  

✢ JOÃO CALVINO: TEÓLOGO À TODAS AS ERAS

[Gravura de João Calvino por René Boyvin, 1562]

Steven J. Lawson *

João Calvino (1509-1564), sem dúvida, é o mais importante teólogo protestante de todos os tempos e continua sendo um dos homens verdadeiramente grandes que já viveram. Um teólogo excelente, um professor renomado, um estadista eclesiástico e um reformador corajoso, Calvino é considerado por muitos como a maior influência sobre a igreja desde o primeiro século. Para além dos próprios autores bíblicos, Calvino é o ministro mais influente da Palavra que o mundo já viu. Filipe Melanchthon o reverenciou como o mais hábil intérprete da Escritura na igreja e, portanto, o chamou simplesmente de “o teólogo.”[1] E Charles Spurgeon afirmou que Calvino “declarou a verdade com mais clareza do que qualquer outro homem que já viveu, conheceu mais as Escrituras e a explicou mais claramente.”[2]

Calvino nasceu em 10 de julho de 1509, de Gerard e Jeanne Cauvin, na cidade francesa de Noyon, cerca de sessenta milhas a norte de Paris. Gerard era um notário, ou administrador financeiro, para o bispo católico da diocese de Noyon e, assim, um membro da classe profissional. Aos quatorze anos, João entrou na principal instituição educacional da Europa, a Universidade de Paris, para estudar teologia como preparação para o sacerdócio. Ali, ele imergiu nos princípios do Renascimento, humanismo e estudos acadêmicos. Um jovem sério e extraordinariamente erudito, ele obteve seu mestrado em 1528.

Logo após a graduação de Calvino, Gerard entrou em conflito com o bispo de Noyon, e esta desavença com a igreja o levou a redirecionar o seu filho brilhante para o estudo do direito na universidade de Orléans (1528) e mais tarde na de Bourges (1529). Calvino aprendeu o grego e aprimorou as suas habilidades em pensamento analítico e argumentação persuasiva, habilidades que ele usaria com grande efeito no púlpito em Genebra. Mas quando Gerard inesperadamente morreu (1531), Calvino, com vinte e um anos, voltou para Paris em busca do seu grande amor, o estudo da literatura clássica. Posteriormente, ele retornaria a Bourges, onde completou os seus estudos e recebeu o seu diploma de Direito, em 1532.

Convertido subitamente

Enquanto estudava na Universidade de Orléans, Calvino se deparou com algumas das ideias iniciais da reforma por meio dos escritos de Martinho Lutero que eram amplamente discutidos nos círculos acadêmicos. Subsequentemente, Calvino foi convertido a Cristo. Calvino registrou um testemunho de sua conversão no prefácio de seu Comentário do Livro dos Salmos (1557):

A essa busca [o estudo do direito], procurei me aplicar fielmente, em obediência à vontade de meu pai; mas Deus, pela condução secreta de Sua providência, concedeu uma direção diferente ao meu curso. Em primeiro lugar, uma vez que eu era muito obstinadamente consagrado às superstições do papismo para ser facilmente libertado de um abismo tão profundo de lama, Deus por uma conversão repentina subjugou e tornou a minha mente ensinável, a qual estava muito endurecida sobre tais assuntos do que poderia ser esperado de alguém em meu período inicial de vida. Tendo assim recebido alguma apreciação e conhecimento da verdadeira piedade, fui imediatamente inflamado com um desejo tão intenso de fazer progressos, que, embora eu não deixasse de lado outros estudos, ainda assim passei a buscá-los com menos ardor.[3]

Em novembro de 1533, Nicolas Cop, reitor da Universidade de Paris e amigo de Calvino, pregou o discurso de abertura do período de inverno na universidade. A mensagem era um apelo por reforma com base no Novo Testamento e um ataque ousado aos teólogos escolásticos daquele tempo. Cop encontrou forte resistência às suas visões “semelhantes às de Lutero”. Acredita-se que Calvino tenha colaborado com Cop no discurso, já que há uma cópia do manuscrito com a letra de Calvino. Como resultado, Calvino foi forçado a fugir de Paris antes de ser preso. Ele se retirou para a propriedade de Louis du Tillet, um homem que simpatizava com a causa da Reforma. Ali, na extensa biblioteca teológica de du Tillet, Calvino leu a Bíblia junto com os escritos dos Pais da Igreja, principalmente Agostinho. Por meio de trabalho árduo, genialidade e graça, Calvino estava se tornando um teólogo autodidata de grande estatura.

Em 1534, Calvino se mudou para Basileia, na Suíça, que se tornou uma fortaleza protestante, a fim de estudar sozinho. Em Basileia, escreveu a primeira edição do que se tornaria a sua obra-prima teológica e o livro mais importante escrito durante a Reforma, as Institutas da Religião Cristã. Nele, delineou os fundamentos da fé protestante e apresentou um argumento convincente para a interpretação reformada da Escritura. De modo surpreendente, Calvino começou esse trabalho aos vinte e cinco anos, apenas um ano após a sua conversão. O livro foi publicado quando ele tinha vinte e seis anos.

Em 1536, Calvino decidiu se mudar para Estrasburgo, no sudoeste da Alemanha, para continuar seus estudos como um erudito solitário. Mas uma guerra entre Francisco I e Carlos V, o imperador do sacro império Romano, o impediu de tomar a rota mais direta. Calvino foi obrigado a se desviar para Genebra, onde pretendia passar apenas uma noite. Mas quando entrou na cidade, foi imediatamente reconhecido como o jovem autor das Institutas. Aqueles que simpatizavam com a Reforma o fizeram conhecer Guilherme Farel, que liderou o movimento protestante em Genebra por dez anos. Genebra havia votado recentemente para deixar a Igreja Católica Romana e se tornar uma cidade Reformada, mas estava em necessidade extrema de um professor que pudesse articular as verdades reformadas. O impetuoso Farel desafiou Calvino a assumir a tarefa; quando Calvino hesitou, Farel recorreu a uma ameaça imprecatória. Calvino relata o episódio dessa maneira:

Farel, que ardia com um zelo extraordinário pelo avanço do evangelho, imediatamente fez de tudo para me deter. E depois de ter percebido que o meu coração estava decidido a me devotar a estudos particulares, para o que eu desejava me manter livre de outras atividades, e vendo que nada ganharia por meio de súplicas, começou a proferir que Deus amaldiçoaria meu isolamento e a tranquilidade dos estudos que eu buscava, caso me retirasse e recusasse a prestar assistência, quando a necessidade era tão urgente. Essa imprecação me afetou grandemente, e me invadiu com tão grande terror que desisti da jornada que havia começado.[4]

Calvino iniciou o seu ministério em Genebra como professor, depois como pastor. Junto com Farel, começou a tarefa de submeter a vida e a prática da igreja ao ensino da Escritura. Entre as reformas que implementou estava o exercício da disciplina eclesiástica na Ceia do Senhor. Isso não foi bem visto por cidadãos proeminentes de Genebra, muitos dos quais viviam vidas pecaminosas. Esta crise atingiu o auge no domingo de Páscoa, 23 de abril de 1538, quando Calvino se recusou a administrar a comunhão a certas pessoas eminentes que viviam em pecado aberto. As tensões cresceram tão grandemente que Calvino e Farel foram forçados a deixar Genebra.

Exílio e retorno

Calvino se retirou para Estrasburgo, onde pretendia ir dois anos antes. Seu objetivo era escapar do olhar do público. Mas o principal reformador de Estrasburgo, Martin Bucer, insistiu que Calvino deveria continuar no ministério público de pregação e o ameaçou muito, como Farel já havia feito. Cedendo a Bucer, Calvino se tornou pastor de quase quinhentos protestantes refugiados da França.

Ainda assim, esse teólogo exilado também teve tempo e liberdade para escrever em Estrasburgo. Calvino escreveu os seus Comentários sobre a Epístola do Apóstolo Paulo aos Romanos e ampliou as suas Institutas, traduzindo-as para o francês. Ao mesmo tempo, ele escreveu o que foi aclamado como a maior apologia da Reforma, Uma Resposta a Sadoleto. Após a saída de Calvino de Genebra, o cardeal Jacob Sadoleto escreveu uma carta aberta aos habitantes da cidade, convidando-os a retornar à Igreja Católica Romana. Os nobres da cidade apelaram para Calvino replicar, o que ele fez com sua Resposta, uma defesa convincente da glória de Deus no evangelho da graça. Também durante a sua estadia em Estrasburgo, casou-se com Idelette de Bure, uma viúva com dois filhos, quem lhe trouxe muita felicidade.

Depois que Calvino passou três anos felizes em Estrasburgo, os nobres da cidade de Genebra escreveram para pedir-lhe que voltasse como o seu pastor. Na sua ausência, a situação religiosa e política se deteriorou. Inicialmente, Calvino não tinha a intenção de retornar. Em uma carta a Farel, em 29 de março de 1540, disse: “Antes, me submeteria à morte cem vezes do que a essa cruz, sobre a qual alguém teria que perecer mil vezes diariamente.”[5] Mas Calvino finalmente mudou de ideia, apesar dos muitos perigos que ele sabia que o aguardavam em Genebra. Calvino viu sua vida em Cristo total e voluntariamente ser entregue a Deus, uma atitude retratada em seu selo pessoal — uma mão segurando um coração, com o lema: “Meu coração, te entrego, Senhor, pronta e sinceramente”. Ele se submeteu ao que cria ser a vontade de Deus e retornou ao seu pastorado na Suíça.

Calvino chegou em Genebra em 13 de setembro de 1541, após uma ausência de três anos e meio. Em seu primeiro sermão, retomou a sua exposição das Escrituras no próximo versículo após o último que ele havia exposto antes de ser exilado. Esta continuação foi intencionada como uma afirmação ousada de que a pregação versículo por versículo da Palavra ocuparia o lugar principal em seu ministério.

O segundo pastorado de Calvino em Genebra teve dois períodos. O primeiro foi os anos de oposição (1541-1555), quando sofreu muita resistência e dificuldade. A oposição começou a se manifestar sob a forma de Patriotas, as famílias mais antigas e influentes de Genebra. Eles não gostaram de Calvino em grande parte porque ele era um estrangeiro. Calvino também enfrentou a resistência dos libertinos, pessoas em Genebra que eram antinomianas, vivendo em pecado aberto e imoralidade. Porém a sua maior demanda foi o tormento causado por Miguel Servetus em 1553. Este conhecido herege foi queimado pelos nobres da cidade depois que Calvino foi chamado como uma testemunha. Dentre outras tribulações durante este tempo, o filho de Calvino, Jacques, morreu apenas duas semanas após o seu nascimento em 1542, e a esposa de Calvino, Idelette, morreu em 1549, depois de apenas nove anos de casamento.

Esta oposição extenuante finalmente diminuiu, e os últimos nove anos da vida de Calvino (1555-1564) poderiam ser descritos como os anos de apoio. Por fim, Calvino ganhou o apoio dos nobres da cidade. Com esse apoio, ele estabeleceu a Academia de Genebra em 1559, com base no exemplo que viu em Estrasburgo. A academia tinha uma escola particular para instrução elementar e uma escola pública que oferecia estudos mais avançados em línguas bíblicas e teologia para treinar ministros, advogados e médicos. Também em 1559, foi lançada a quinta e última edição das Institutas. Em 1560, a Bíblia de Genebra foi lançada; uma tradução inglesa que foi a primeira Bíblia com notas teológicas nas margens. Esta obra monumental, produzida por homens sob os ensinos de Calvino, apresentou uma cosmovisão da soberania de Deus sobre toda a criação.

Calvino enviou pastores de língua francesa, a quem ele treinou para o ministério do evangelho, de Genebra para outras províncias de língua francesa na Europa. A maioria foi para a França, onde o movimento Reformado cresceu entre cerca de um décimo da população. Eventualmente, trezentos missionários treinados em Genebra foram para a França. Em 1560, mais de uma centena de igrejas foram plantadas na França por homens enviados de Genebra. Em 1562, o número de igrejas se multiplicou em 2.150, com mais de 3 milhões de membros. A membresia a algumas das igrejas chegava a milhares. Este crescimento produziu uma igreja huguenote que quase superou a contra-reforma católica na França. Além disso, missionários treinados em Genebra plantaram igrejas na Itália, Hungria, Polônia, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Escócia e Reno — e até no Brasil.

Um discurso de despedida

No início de 1564, Calvino ficou gravemente doente. Ele pregou pela última vez no púlpito da Catedral de São Pedro no domingo de 6 de fevereiro. Em abril, ficou evidente óbvio que ele não viveria por muito tempo. Calvino, aos cinquenta e quatro anos, enfrentou a morte como enfrentou o púlpito — com grande resolução. A força de sua fé, edificada sobre a soberania de Deus, aparece em sua última vontade e testamento. Em 25 de abril de 1564, Calvino ditou as seguintes palavras:

Agradeço a Deus, não apenas porque teve compaixão de mim, sua pobre criatura, para retirar-me do abismo de idolatria em que estava mergulhado, de modo a me levar à luz de seu evangelho e me fazer um participante da doutrina da salvação, da qual eu era completamente indigno, e continuando a sua misericórdia, ele me sustentou em meio a tantos pecados e faltas, que eram tais que eu merecia ser rejeitado por ele cem mil vezes — contudo, até agora ele tem estendido a sua misericórdia sobre mim, a fim de usar a mim e meu labor para proclamar e anunciar a verdade do Seu evangelho.[6]

Três dias depois, em 28 de abril de 1654, Calvino chamou seus ministros companheiros para o seu leito e fez o seu discurso de despedida para eles. Calvino os advertiu que as batalhas da Reforma não haviam terminado, mas que estavam apenas começando: “Vocês terão problemas quando Deus me chamar... Mas sejam corajosos e se fortaleçam, pois Deus usará essa igreja e a manterá, e certamente ele a protegerá.”[7] Com estas palavras, ele passou a tocha de suas mãos fracas para as deles.

Calvino morreu em 27 de maio de 1564, nos braços de Teodoro Beza, seu sucessor. As últimas palavras de Calvino: “Até quando, ó Senhor?”, foram as próprias palavras da Escritura (Salmos 79.5; 89.46). Ele morreu citando a Bíblia que pregou por tanto tempo. De modo apropriado, esse humilde servo foi enterrado em um cemitério comum em uma sepultura não sinalizada, conforme o seu pedido.

Notas

[1] J. H. Merle d’Aubigné, History of the Reformation in Europe in the Time of Calvin [A História da Reforma na Europa no Tempo de Calvino], vol. 7 [1880; repr., Harrisonburg, Va.: Sprinkle, 2000], 82.
[2] C. H. Spurgeon, “Laus Deo”, The Metropolitan Tabernacle Pulpit: Sermons Preached by C. H. Spurgeon [O Púlpito do Tabernáculo Metropolitano: Sermões pregados por C. H. Spurgeon], vol. 10 [Pasadena, Texas: Pilgrim, 1976], 310.
[3] (John Calvin, Commentary on the Book of Psalms [João Calvino, Comentário sobre o Livro dos Salmos]. Trad. James Anderson [Grand Rapids: Baker, 2003], 1: XL–XLI).
[4] Calvino, Comentário sobre o Livro dos Salmos, 1: XLIII.
[5] João Calvino, Tracts and Letters [Tratados e Cartas], vol. 4: Cartas, Parte I, 1528-1545, ed. Jules Bonnet, trad. David Constable [Edimburgo: Banner of Truth, 2009], 175.
[6] João Calvino, Tratados e Cartas, vol. 7, 365-366.
[7] Calvino, Tratados e Cartas, vol. 7, 375.
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* Disponível em: https://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/09/joao-calvino-teologo-para-as-eras/. Acesso em 05/04/2022.

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