Derek W. H. Thomas *
Algumas orientações antes de começar
Pode parecer um pouco ingênuo oferecer dicas sobre como ler um livro. Você não começa a ler a primeira página e continua até chegar ao fim? Certamente, sim. E não! A Institutas da Religião Cristã de João Calvino requer alguma orientação, do contrário os leitores ficarão confusos e perderão o interesse rapidamente. Porque existem várias razões para que isso ocorra!
Dica nº 1: não se confunda com sua aparente desproporcionalidade
É verdade, a Institutas é totalmente desproporcional. Alguns assuntos recebem tratamento demorado (como sobre a Ceia do Senhor) e outros (como sobre o batismo) quase não são mencionados. A razão para isso se encontra no fato de Calvino escrever extensivamente sobre questões que foram controversas em sua própria vida. Por outro lado, falou pouco sobre assuntos sobre os quais havia pouca ou nenhuma discordância. Além disso, Calvino nunca parou de mexer em seu livro. De seu tamanho inicial de livro de bolso contendo seis capítulos, cresceu ao longo de um período de vinte e cinco anos para um fólio de oitenta capítulos e meio milhão de palavras. À medida que as questões se desenvolviam e os detratores faziam barulho significativo, Calvino sentiu a necessidade de responder. E assim (por meio de edições sucessivas em latim e francês) expandir esta ou aquela seção do livro. Seria um erro, portanto, pensar que porque Calvino tem pouco a dizer sobre um determinado assunto, ele queria que o considerássemos como banal. De jeito nenhum!
Dica nº 2: use um guia
Há partes da Institutas que são difíceis. Às vezes, é a lógica do pensamento de Calvino que pode confundir o leitor. E, então, existem termos que carregam um significado diferente, como “regeneração”, que para Calvino sugere algo mais parecido com “santificação progressiva” (renovação) do que a mudança radical e pontual provocada no momento do novo nascimento. A falha em entender seu entendimento progressivo do termo “regeneração” colocará Calvino em desacordo com a direção da teologia reformada nesse século em curso. Consequentemente, os leitores de primeira viagem (também aqueles leitores de segunda e terceira vez) se beneficiarão de um bom guia para os ajudar a percorrer esse terreno. Existem vários guias para a leitura da Institutas, incluindo os de:
- Anthony S. Lane. A Reader's Guide to Calvin's Institutes (Baker Academic, 2009).
- David W. Hall's e Peter A. Lillback's (eds.). A Theological Guide to Calvin's Institutes: Essays and Analysis (P & R Publishing, 2008).
- Ford Lewis. Battles's Analysis of the Institutes of the Christian Religion of John Calvin (P & R Publishing, 2001).[1]
Dica nº 3: não espere entender tudo em uma leitura
Como qualquer bom livro, especialmente aqueles que merecem ser chamados de “clássicos”, a Institutas requer mais de uma leitura. De vez em quando, as habilidades oratórias ciceronianas de Calvino são evidentes. E se alguém ler a passagem em voz alta, poderá ouvi-lo como pregador. Essas passagens geralmente são as mais claras. Mas Calvino também pode se envolver em algo mais parecido com a luta de boxe, onde oponentes individuais (Pierre Caroli, Miguel Servet, Sebastian Castellio, Jerome Bolsec e Joachim Westphal, para citar apenas alguns) são sistematicamente desmontados de uma maneira que parece grosseira e pessoal pelos padrões atuais do debate teológico acadêmico. A fim de compreender as nuances dessas questões (que ocorreram após a publicação da primeira edição), um guia sobre os detratores de Calvino será de grande ajuda. O melhor, de longe, é o de Gary Jenkins, Calvin’s Tormentors: Understanding the Conflicts that Shaped the Reformer (Baker Academic, 2018).
Dica nº 4: destaque os resumos de Calvino na conclusão de cada seção
Calvino entendeu a natureza incômoda de seu livro e forneceu breves resumos no final de cada seção para ajudar seus leitores a se concentrarem nos assuntos essenciais. Encontrá-los e destacá-los ajudará muito aos leitores a entender o fluxo de seu pensamento.
Dica nº 5: entenda a razão pela qual Calvino escreveu inicialmente a Institutas
Meu palpite é que quase ninguém lê o prefácio de um livro, incluindo o extenso que Calvino fornece a sua Institutas. É, de fato, uma carta ao rei francês, Francisco I, explicando por que os protestantes franceses (como Calvino, estão vivendo em exílio de seu país natal, por medo de prisão e provável execução) não eram cismáticos e, portanto, hereges como os católicos insistiam em afirmar. Pelo contrário, eram cidadãos franceses leais e defensores da única, santa, católica e apostólica Igreja. A igreja protestante não se desviou da fé ortodoxa. Essa desonra pertencia à igreja de Roma. E Calvino passa muito tempo sublinhando, cuidadosa e meticulosamente, como as doutrinas protestantes da Reforma tinham raízes patrísticas. Essa linha de raciocínio nem sempre foi fácil de realizar, mas insisto que Calvino fez isso na tentativa de manter os cristãos franceses longe da forca. Mas como mostra a história, o rei não comprou sua ideia. Saber disso nos ajuda a entender por que Calvino continua citando Agostinho, mesmo quando Agostinho nem sempre está do lado dele.
Dica nº 6: entenda que o objetivo de Calvino é promover a piedade
A primeira edição (em 1536) da Institutas trazia um título tipicamente longo, que começava com as palavras: Christianae religionis institutio, totam fere pietatis summam... Pretendia, portanto, conter quase toda a soma da piedade e descrever as doutrinas, essencialmente, necessárias para a salvação. Em todas as suas páginas, ele reflete, como indicava o prefácio da primeira edição, não tanto (como em Tomás de Aquino) uma soma de toda a teologia - summa theologiae, mas uma soma de toda a piedade - summa pietatis. A verdade, como Paulo insistiu, tem por finalidade a piedade (Tito 1.1). Calvino insiste que não podemos verdadeiramente conhecer a Deus sem o acompanhamento da piedade: “Pois, falando propriamente, não podemos dizer que Deus é conhecido onde não há religião ou piedade.” (1.2.1) E um pouco mais adiante no mesmo parágrafo, ele adiciona uma definição de piedade: “Por piedade, quero dizer aquela união de reverência e amor a Deus que o conhecimento de seus benefícios inspira.” Tente se perguntar no final de cada seção: Como devo responder a essa verdade? Que graças devo manifestar, pela ajuda do Espírito Santo, enquanto leio isto?
Sabe, só há uma outra dica que posso dar agora. Pare de procrastinar e comece a ler a obra-prima atemporal de Calvino. Isso vai fazê-lo muito bem!
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- NOTAS
[1] Nota do tradutor: No Brasil não temos publicação que atenda à condição de guia de leitura à Institutas.
- SOBRE O AUTOR
* Derek W. H. Thomas é professor do Reformed Theological Seminary (Atlanta) e pastor da Primeira Igreja Presbiteriana em Colúmbia/USA e co-autor do livro John Calvin: For a New Reformation. Texto original intitulado 6 Tips for Reading Calvin’s Institutes of the Christian Religion. Disponível em: https://www.crossway.org/articles/6-tips-for-reading-calvins-institutes-of-the-christian-religion/. Acesso em: 26 de set. 2021.
- TRADUÇÃO: Projeto Calvino21 | J. A. Lucas Guimarães
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