Pular para o conteúdo principal

Destaques

✢ LANÇAMENTO: LIVRO "CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS"

  J. A. Lucas Guimarães | Organizador ✢ ✢ ✢ Não é sem imensa expectativa e alegria que se empreende a publicação da décima primeira obra de caráter temático calviniano da Coleção  Calvino21 , sob autoria do Rev. J. A. Lucas Guimarães, historiador, teólogo e organizador do Calvino21 , intitulado  CALVINO, CIÊNCIA E FAKE NEWS:  a invenção da oposição calviniana à Ciência moderna na historiografia do século XIX.   Principalmente, ao considerar a singularidade do conteúdo, o nível do conhecimento alcançado e o caráter da percepção do passado envolvida, disponibilizados à leitura, reflexão e intelectualidade, caso o arbítrio do bom senso encontrado, esteja em diálogo com a coerência da boa vontade leitora. | ✢|   Conheça a Coleção Calvino21 :   PubliCALVINO21 Com a convicção da pertinência da presente obra ao estabelecimento da verdade histórica sobre a postura de João Calvino (1509-1564) diante dos ensaios preparatórios no século XVI  ao início da Ciência Moderna ocorrido no século XVII,  

✢ CALVINO COMO PROFESSOR DE EVANGELISMO

Dr. Joel R. Beeke *

Não poucos estudiosos ficam surpresos com o título deste artigo. Alguns poderão dizer que o catolicismo romano manteve a tocha evangelística do Cristianismo via as poderosas forças do Papado, dos monastérios, e da monarquia, enquanto Calvino e os outros Reformadores tentaram extingui-la.
[1] Outros irão afirmar que João Calvino (1509-1564), o pai da doutrina e teologia Reformada e Presbiteriana, foi preponderantemente responsável pelo ressurgimento da tocha do evangelismo bíblico durante a Reforma.[2]

Alguns ainda irão creditar a Calvino ser o pai teológico do movimento missionário Reformado.[3] Visões da atitude de Calvino sobre o evangelismo e missões tem ido desde ao moderado, ao rico suporte do lado positivo,[4] até quase um silêncio indiferente e ativa oposição do lado negativo.[5]

Aqueles que vêm o evangelismo de Calvino negativamente são:

— Pessoas que falham em estudar os escritos de Calvino antes de tirarem suas conclusões.

— Pessoas que falham em entender a visão do evangelismo de Calvino em seu próprio contexto histórico.

— Teólogos que trazem preconcebidas noções sobre Calvino no escopo de sua teologia.

— Críticos, entre os quais estão aqueles que afirmam que a doutrina da eleição exposta por Calvino nega o Evangelismo.

Para chegar corretamente à visão de Calvino sobre evangelismo, temos que entender o que ele mesmo tem a dizer sobre esta matéria. Nós devemos olhar pelo completo escopo da visão de Calvino, tanto no seu ensinamento como na sua prática. Neste artigo, nós iremos imaginar as referências ao evangelismo nas Institutas da Religião Cristã, nos seus comentários, sermões e cartas. Então, talvez, em futuros artigos, nós possamos olhar o trabalho evangelístico de Calvino (1) em seu rebanho, (2) em seu período na cidade de Genebra, (3) na grande Europa, e (4) em oportunidades de missões além-mar. Como iremos ver, Calvino foi mais evangelista do que é geralmente reconhecido. Através de sua instrução e prática, ele reacendeu a tocha do evangelismo bíblico e reformado, centrado em Deus.

Como era o ensinamento evangelístico de Calvino? Em que sentido ele exortava os crentes a procurarem a conversão de todas as pessoas, inclusive aqueles que estavam dentro da Igreja, como também daqueles que estavam fora dela, no mundo?

Assim como os outros Reformadores, Calvino ensinava evangelismo, de forma geral, por meio da proclamação do evangelho e pela reforma da igreja de acordo os requisitos bíblicos. Mais especificamente, Calvino ensinou o evangelismo enfocando a universalidade do Reino de Cristo e a responsabilidade dos cristãos em cooperarem na extensão deste Reino.

A universalidade do Reino de Cristo foi um tema frequentemente repetido no ensinamento de Calvino.[6] Nestes ensinamentos ele dizia que todas as Três Pessoas da Trindade estão envolvidas na propagação do Reino.

O Pai não irá mostrar “apenas em um canto, o que a verdadeira religião é, mas Ele enviará Sua voz aos limites extremos da terra.”[7] Jesus veio “para estender Sua graça sobre todo o mundo.”[8] E o Espírito Santo descendo para “alcançar todos os confins e extremidades do mundo”.[9] Em suma, uma incontável multidão “a qual será levantada por toda a terra”, irá ser nascida de Cristo.[10] E o triunfo do reino de Cristo irá se tornar manifesto em qualquer lugar entre as nações.[11]

Como irá o Deus Trino estender o seu reino através do mundo? A resposta de Calvino envolve tanto a soberania de Deus como nossa responsabilidade. Ele diz que a obra do evangelismo é obra de Deus e não nossa, mas que Ele usará os Seus servos como Seus instrumentos. Citando a parábola do semeador, Calvino explica que Cristo semeia a sua palavra de vida em todo o lugar (Mt 13:24-30), fazendo crescer Sua Igreja não por meios humanos, mas pelo poder celestial.[12] O evangelho “não cai das nuvens como chuva”, no entanto ele é “trazido pelas mãos de homens que vão onde Deus os mandou.”[13] Jesus nos ensina que Deus “usa o nosso trabalho e nos impulsiona para ser Seus instrumentos no cultivo do Seu solo.”[14] O poder reside em Deus, mas Ele revela a Sua salvação através da pregação do evangelho.[15] O evangelismo de Deus causa o nosso evangelismo.[16] Nós somos os seus cooperadores, e Ele nos permite participar da “honra de constituir Seu Filho governador do mundo inteiro.”[17]

Calvino ensinou que o método ordinário de “tornar coletiva a igreja” é por meio da voz exterior dos homens; “porque Deus mesmo pode trazer por sua secreta influência, no entanto ele ainda emprega a agência do homem e desperta em nós uma ansiedade sobre a salvação um do outro.”[18] Calvino vai mais longe, chegando a dizer: “Nada retarda mais o progresso do Reino de Cristo do que a insuficiência dos ministros.”[19] Embora a palavra final não seja por nenhum esforço humano. É o Senhor, diz Calvino, que faz “a voz do evangelho ressoar não apenas em um lugar, porém longe e amplamente através do mundo inteiro.”[20] O evangelho não é pregado ao acaso às nações, mas pelo decreto de Deus.[21]

De acordo com Calvino, esta ligação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana no evangelismo oferece as seguintes lições:

1. Como evangelistas reformados, nós devemos orar diariamente pela extensão do reino de Cristo. Como Calvino disse: “Nós devemos diariamente desejar que Deus reúna as igrejas para Ele mesmo, de todos os lugares da terra.”[22] Desde que Deus se apraz em usar nossas orações para completar os Seus propósitos, devemos orar pela conversão dos pagãos.[23] Calvino escreve: “Isto deve ser um objetivo em nossos desejos diários, de que Deus reúna as igrejas para Ele mesmo de todas as nações do mundo; que possa ampliar o seu número, enriquecê-las com dons e estabelecer uma ordem legítima entre elas.”[24] Através da oração diária para que venha o reino de Deus, nós “professamos que somos servos e filhos de Deus profundamente comprometidos com Sua reputação.”[25]

2. Nós não devemos ficar desencorajados pela falta de sucesso visível no esforço evangelístico, mas devemos persistir orando. “Nosso Senhor exercita a fé dos Seus filhos; é por isso que Ele não faz tão facilmente com Sua mão as coisas que Ele prometeu. Isso é uma coisa especialmente aplicada ao reino de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Calvino escreve: “Se Deus passa todo um dia ou um ano [sem nos dar frutos], isto não é para nós desistirmos, ao contrário devemos orar e não duvidar que Ele ouve a nossa voz.”[26] Devemos nos manter em oração, crendo que “Cristo irá manifestadamente exercitar o poder que lhe foi dado para a nossa salvação e para a salvação do mundo inteiro.”[27]

3. Nós devemos trabalhar diligentemente pelo aumento do reino de Cristo sabendo que nosso trabalho não será em vão. Nossa salvação obriga-nos a trabalhar pela salvação dos outros. Calvino diz: “Nós fomos chamados por Deus nesta condição, para que cada um possa posteriormente levar outros à verdade, para restaurar os desgarrado ao caminho certo, para estender a mão de ajuda aos caídos, e dar o que temos ganhado àqueles que não têm.”[28] No entanto, não é suficiente para cada homem estar ocupado com outras maneiras de servir a Deus. “Nosso zelo deve ser ampliado para trazer outros homens.” Devemos fazer tudo, dentro de nossa capacidade, para trazer todos os homens da terra para Deus.”[29]

Existem muitas razões por que temos que evangelizar. Calvino oferece as seguintes:

— Deus nos manda fazer isso. “Devemos nos lembrar que o evangelho é pregado não apenas pela ordenança de Cristo, mas pela Sua arguição e direcionamento.”[30]

— Deus nos direciona pelo exemplo. Como nosso gracioso Deus fez conosco, nós devemos estar com nossos “braços estendidos, como Ele fez, aos que estão fora” de nós.[31]

— Nós queremos glorificar a Deus. Verdadeiros cristãos desejam estender a verdade de Deus por todo lugar e assim “Deus estará sendo glorificado.”[32]

— Nós queremos agradar a Deus. Como Calvino escreveu: “É um sacrifício de agradecimento a Deus contribuir para a propagação do Evangelho.”[33] Para cinco estudantes que foram sentenciados a morte por pregarem na França, Calvino escreveu: “Vendo que [Deus] emprega as suas vidas em tão sublime causa como o de serem testemunhas do evangelho, não duvidem que isto é precioso para Ele.”[34]

— Nós temos um dever para com Deus. “É muito justo que devamos labutar para o aprofundamento do progresso do evangelho”, disse Calvino.[35] “É nosso dever proclamar a bondade de Deus a cada nação.”[36]

— Nós temos um dever para com os pecadores. Nossa compaixão para com os pecadores deve ser intensificada por nosso conhecimento de que “Deus não pode ser sinceramente invocado por qualquer outra pessoa senão por aquelas a quem, por meio da pregação do evangelho, foram dados conhecer Sua bondade e ternos sentimentos.”[37] Consequentemente, cada encontro, com outros seres humanos deve nos motivar a traze-los ao conhecimento de Deus.”[38]

— Nós estamos gratos a Deus. Aqueles que estão em débito com a misericórdia de Deus estão constrangidos a se tornar, como o salmista, um verdadeiro “publicitário” da graça de Deus a todos os homens.[39] Se a salvação é possível para mim, um grande pecador, então é possível para os outros também. Se eu não evangelizo, sou uma contradição. Como diz Calvino: “Nada pode ser mais inconsistente no que concerne à natureza da fé que aquela indiferença que leva um homem a desprezar seus irmãos e manter a luz do seu conhecimento apenas em seu próprio coração.”[40] Nós devemos, em gratidão, trazer o evangelho para outros, não parecendo assim, indiferentes ou ingratos a Deus pela nossa própria salvação.[41]

Calvino nunca defendeu que a tarefa missionária estava completa com os Apóstolos. Ao invés disso, ele ensinou que cada Cristão deve testificar pela Palavra o ato da graça de Deus a qualquer um que ele encontrar.[42] A afirmação de Calvino do sacerdócio universal de todos os crentes envolve a participação da igreja, no mistério profético, sacerdotal e real. Ele comissiona os crentes a confessarem o nome de Cristo a outros (tarefa profética), para orar pela salvação deles (tarefa sacerdotal), e para discipliná-los (tarefa real). Isto é a base para a poderosa atividade evangelística por parte da igreja viva “até os confins da terra.”[43]

Notas bibliográficas

1 William Richey Hogg, “The Rise of Protestant Missionary Concern, 1517 -1914”, in Theology of Christian Mission, ed. G. Anderson (New York: McGraw-Hill, 1961, pp. 96-97.
2 David B. Calhoun, “John Calvin: Missionary Hero or Missionary Failure?”, Presbuterion 5, 1 (Spr 1979): 16-33 - to which I am greatly indebted in this article; W. Stanford Reid, “Calvin’s Geneva: A Missionary Centre”, Reformed Theological Review 42,3 (1983): 65-74.
3 Samuel M. Zwemer, “Calvinism and the Missionary Enterprise”, Theology Today 7, 2 (July 1950): 206-216; J. Douglas MacMillan, “Calvin, Geneva, and Christian Mission”, Reformed Theological Journal 5 (Nov 1989): 5-17.
4 Johannes van den Berg, “Calvin’s Missionary Message”, The Evangelival Quartely 22 (1950): 174-87; Walter Holsten, “Reformation und Mission”, Archiv für Reformationsgeschichte 44,1 (1953): 1-32; Charles E. Edwards, “Calvin and Missions”, The Evangelical Quartely 39 (1967): 47-51; Charles Chaney, “The Missionary Dynamic in the Theology of John Calvin”, Reformed Review 17,3 (Mar 1964): 24-38.
5 Gustav Warneck, Outline of a History of Protestant Mission (London: Oliphant Anderson & Ferrier, 1906), pp. 19-20.
6 John Calvin, Commentaries of Calvin (Grand Rapids: Eerdmans, 1950ff.), on Psalm 2:8, 110:2, Matt. 6:10, 12:31,John 13:31. (Hereafter the format, Comentary on Psalm 2:8, will be used).
7 Commentary on Micah 4:3.
8 John Calvin, Sermons of M. John Calvin on the Epistles of S. Paule to Timothy and Titus, trans. L. T. (Edinburgh: Banner of Truth Trust reprint, 1983), sermon on 1 Timothy 2:5-6, pp. 161-72.
9 Commentary on Acts 2:1-4.
10 Commentary on Psalm 110:3.
11 T.F. Torrance, Kingdom and Church (London: Oliver and Boyd, 1956), p. 161.
12 Commentary on Matthew 24:30.
13 Commentary Romans 10:15.
14 Commentary Matthew 13:24-30.
15 John calvin, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill and trans. Ford Lewis Battles (Philadelphia: Westminster Press, 1960), Book 4, chapter 1, section 5). Hereafter the format, Institutes 4.1.5, will be used).
16 Commentary on Romans 10:14-17.
17 Commentary on Psalm 2:8.
18 Commentary on Isaiah 2:3.
19 Jules Bonnet, ed., Letters of Calvin, trans. David Constable and Marcus Robert Gilchrist, 4 vols. (New York, reprint), 4:263.
20 Commentary on Isaiah 49:2.
21 Commentary on Isaiah 45:
22 Institutes 3:20.42.
23 Sermons of Máster John Calvin upon the Fifthe Book of Moses called Deuteronomie, trans. Arthur Golding (Edinburgh: Banner of Truth Trust reprint, 1987), sermon on Deuteronomy 33:18-19. (Hereafter Sermon on Deuteronomy 33:18-19).
24 Institutes 3:20.42.
25 Institutes 3:20.43.
26 Sermon on Deuteronomiy 33:7-8.
27 Commetary on Micah 7:10-14.
28 Commetary on Hebrews 10:24.
29 Sermon on Deuteronomiy 33:18-19.
30 Commentary Matthew 13:24-30.
31 John Calvin, Sermons on the Epistle to the Ephesians, trans. Arthur Golding (Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1973), sermon on Ephesians 4:15-16.
32 Bonnet, Letters of Calvin, 4:169.
33 Bonnet, Letters of Calvin, 2:453.
34 Bonnet, Letters of Calvin, 2:407.
35 Bonnet, Letters of Calvin, 2:453.
36 Commentary on Isaiah 12:5. Institutes 3:20.11.
38 Sermon on Deuteronomiy 33:18-19.
39 Commentary on Psalm 51:16.
40 Commentary on Isaiah 2:3.
41 Sermon on Deuteronomiy 24:10-13.
42 Institutes 4.20.4.
43 Sermon on Deuteronomiy 18:9-15.
____________________ 

* Dr. Joel R. Beeke é pastor da Heritage Netherlands Reformed Congregation em Grand Rapids, Michigan, USA. Presidente e Professor de Teologia Sistemática e Homilética no Puritan Reformed Theological Seminary e um prolífico autor.

Fonte: ospuritanos.org

Comentários

Postagens mais visitadas