13. “Ninguém
subiu ao céu”. Ele novamente exorta Nicodemos a não confiar em si
mesmo e em sua própria sagacidade, porque nenhum homem mortal pode, somente por
seus próprios poderes, entrar no Céu, mas só quem vai lá sob a direção do Filho
de Deus.
Porque
“ascender ao Céu” significa aqui “ter um puro conhecimento dos mistérios de
Deus, e a luz da compreensão espiritual." Porque Cristo dá aqui a mesma
instrução que é dada por Paulo, quando ele declara que o homem natural não
entende as coisas que são de Deus (1 Coríntios 02:16;) e, portanto, exclui
todas as coisas divinas da perspicácia da compreensão humana, pois ela está
muito abaixo de Deus.
Mas temos de atentar
às palavras, que apenas Cristo, que é celestial, ascendeu aos Céu e que a
entrada está fechada para todos os outros. Pois, na primeira cláusula, Ele nos
humilha, quando exclui todo o mundo do Céu. Paulo ordena que aqueles que
desejam ser sábios com Deus sejam tolos para eles mesmos (1 Coríntios 3:18)
Não há nada
que possamos fazer com mais relutância. Para esse propósito, nós devemos
lembrar que todos os nossos sentidos falham e se extraviam quando nos
aproximamos de Deus; mas, depois de ter fechado o Céu para nós, Cristo
rapidamente propõe um remédio, quando Ele adiciona, que o que foi negado a
todos os outros é concedido ao Filho de Deus.
E esta é
também a razão pela qual Ele chama a si mesmo de o Filho do homem, para que nós
não pudéssemos duvidar de que temos uma entrada para o Céu em comum com aquele
que se vestiu com a nossa carne, para que possa nos fazer participantes de
todas as bênçãos. Sendo que, portanto, somente Ele é o Conselheiro do Pai
(Isaías 9:6), admite-nos dentro daqueles segredos que de outra forma teriam
permanecido encobertos.
“Que está nos
céus”. Pode-se pensar que é absurdo dizer que Ele está no
céu, enquanto Ele ainda habita na terra. Se em resposta for dito que isso é
verdade no que diz respeito à sua natureza divina, o modo de expressão
significa algo a mais, ou seja, que enquanto Ele era homem, Ele estava no Céu.
Pode-se dizer que nenhuma menção é feita aqui sobre qualquer lugar, mas que
Cristo somente é distinto dos outros no que diz respeito à sua condição, porque
Ele é o herdeiro do reino de Deus, do qual toda a raça humana foi banida.
Mas, como
acontece com muita frequência, por conta da unidade da pessoa de Cristo, aquilo
que pertence propriamente a uma natureza é aplicada a outra, nós não devemos
buscar outra solução. Cristo, portanto, que está no Céu, se vestiu com a nossa
carne, que, por esticar a mão fraterna para nós, possa nos elevar ao Céu junto
com Ele.
14. “E como
Moisés levantou a serpente”. Cristo
explica mais claramente porque disse que somente para Ele o céu está aberto, ou
seja, que Ele leva ao Céu todos os que estão apenas dispostos a segui-lo como
seu guia; pois Ele atesta que será abertamente e publicamente manifestado a
todos, para que possam propagar o Seu poder sobre homens de todas as classes.
Porque ser
levantado significa ser colocado em uma situação alta e elevada, de forma a ser
exposto à vista de todos. Isso foi feito pela pregação do Evangelho; visto que
a explicação que alguns dão, como referindo-se a cruz, não concorda com o contexto,
nem é aplicável ao assunto tratado.
O simples
sentido das palavras, portanto, é que, pela pregação do Evangelho, Cristo era
para ser exaltado, como um estandarte para o qual os olhos de todos seriam
dirigidos, como Isaías havia predito (Isaías 2:2. ). Como um tipo dessa
exaltação, Ele faz referência a serpente de bronze, que foi erguida por Moisés,
cuja visão era um remédio salutar para aqueles que tinham sido feridos pela
mordida mortal das serpentes. A história do ocorrido é bem conhecida, e está
detalhada em Números 21:9.
Cristo a
introduz nesta passagem, a fim de mostrar que Ele deve ser colocado diante dos
olhos de todos, através da doutrina do Evangelho, para que todo aquele que
olhar para Ele pela fé possa obter a salvação. Por isso, deve-se inferir que
Cristo é claramente exibido a nós no Evangelho, a fim de que nenhum homem possa
se queixar de obscuridade; e que esta manifestação é comum a todos, e que a fé
tem o seu próprio olhar, pelo qual o percebe como presente, como Paulo nos diz que
um vívido retrato de Cristo com Sua cruz é exibida, quando Ele é fielmente
pregado (Gálatas 3:01).
A metáfora
não é inadequada ou rebuscada. Assim como [a serpente de bronze] tinha somente
a aparência exterior de uma serpente, mas não continha nada dentro que fosse
pestilento ou venenoso, Cristo se vestiu com a forma da carne pecaminosa, a
qual ainda era pura e livre de todo pecado, para que Ele pudesse curar em nós a
ferida mortal do pecado.
Não foi em
vão que o Senhor preparou anteriormente este tipo de antídoto, quando os judeus
foram feridos pelas serpentes, e ele tende a confirmar o discurso que Cristo
entregou. Pois quando viu que era desprezado como uma pessoa média e
desconhecida, Ele não poderia produzir nada mais apropriado do que o levantamento
da serpente, para dizer que eles não deveriam achar estranho, se, ao contrário
da expectativa dos homens , ele fosse levantado ao alto da mais baixa condição,
pois isso já tinha estado em sombras na Lei pelo tipo da serpente.
A questão que
agora se coloca é: Será que Cristo se comparou com a serpente, porque havia
alguma semelhança, ou, Ele pronunciou isto por ter sido um sacramento, como foi
o maná? Porque o maná foi o alimento do corpo, na intenção do presente uso, mas
Paulo atesta que ele era um mistério espiritual (1 Coríntios 10:3.) Sou levado
a pensar que este também foi o caso com a serpente de bronze, tanto por esta
passagem, e pelo fato de ser preservada para o futuro, até que a superstição do
povo o converteu em um ídolo, (2 Reis 18:04). Se alguém formar uma opinião
diferente, eu não debato esse ponto com ele.
16. “Porque
Deus amou o mundo”. Cristo abre a primeira
causa e, por assim dizer, a fonte da nossa salvação, e faz isso de forma que
nenhuma dúvida possa permanecer; pois nossa mente não pode encontrar repouso
tranqüilo, até que cheguemos ao amor não merecido de Deus. Como toda questão
sobre nossa salvação não deve ser buscada em qualquer outro lugar a não ser em
Cristo, então devemos ver de onde Cristo veio até nós, e por que Ele foi oferecido
para ser nosso Salvador.
Ambos os
pontos são distintamente declarados para nós: a saber, que a fé em Cristo traz
vida para todos, e que Cristo trouxe vida, porque o Pai Celestial ama a raça
humana, e deseja que eles não venham a perecer. E esta ordem deve ser
cuidadosamente observada, pois tal é a ímpia ambição, que pertence à nossa
natureza, que, quando a questão diz respeito à origem da nossa salvação, nós
rapidamente formamos diabólicas imaginações sobre nossos próprios méritos.
Assim, imaginamos que Deus é reconciliado conosco porque Ele tem reconhecido em
nós algo que seja digno para que Ele olhe para nós. Mas as Escrituras em todos
os lugares exalta sua misericórdia pura e sem mistura, o que anula todos os
méritos.
E as palavras
de Cristo significam nada mais, quando declara a causa para estar no amor de
Deus. Pois, se queremos subir mais alto, o Espírito fecha a porta pela boca de
Paulo, quando nos informa que este amor foi fundado no propósito de Sua
vontade, (Efésios 1:05). E, de fato, é muito evidente que Cristo falou desta
forma a fim de afastar os homens da contemplação de si mesmos para olhar somente
para a misericórdia de Deus.
Nem diz que
Deus foi movido a nos livrar, porque percebeu em nós algo que fosse digno de
uma bênção tão excelente, mas atribui a glória de nosso livramento inteiramente
ao Seu amor. E isso é ainda mais claro no que se segue, pois, acrescenta que Deus
deu o seu Filho aos homens, para que eles não pereçam. Daí resulta que, até
que Cristo conceda a sua ajuda para resgatar os perdidos, todos estão
destinados à destruição eterna. Isso também é demonstrado por Paulo a partir de
uma consideração do tempo; porque Ele nos amou quando ainda éramos inimigos
pelo pecado (Romanos 5:8, 10).
E, de fato,
onde reina o pecado, vamos encontrar nada, a não ser a ira de Deus, que arrasta
a morte junto com ela. É a misericórdia, portanto, que nos reconcilia com Deus,
para que Ele possa também nos devolver à vida.
Essa forma de
expressão, no entanto, pode parecer estar em desacordo com muitas passagens das
Escrituras, as quais colocam Cristo como o primeiro fundamento do amor de Deus
para nós e demonstram que fora Dele somos odiados por Deus. Mas devemos lembrar
– como eu já afirmei - que o amor secreto com o qual o Pai Celestial nos ama em
si mesmo é superior a todas as outras causas, mas que a graça que Ele deseja que seja conhecida por nós, e pela qual nós
somos estimulados para a esperança da salvação, começa com a reconciliação, a qual foi adquirida através de Cristo.
Porque, uma vez que Ele necessariamente odeia o pecado, como vamos
acreditar que somos amados por Ele, até que a expiação fosse feita pelos
pecados em virtude dos quais Ele, justamente, está ofendido conosco? Assim, o
amor de Cristo deve intervir com a finalidade de reconciliar Deus conosco,
antes de termos qualquer experiência de sua bondade paternal. Mas, como nós fomos primeiramente informados de que Deus, porque nos
amou, deu o seu Filho para morrer por nós, assim isso é imediatamente
adicionado, que Cristo é quem, estritamente falando, a fé deve olhar.
“Ele deu o
seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça”. Isso, diz ele, é o próprio olhar da fé, para ser fixado sobre Cristo,
em quem vê o coração de Deus cheio de amor: este é um apoio firme e duradouro,
para invocar a morte de Cristo como a única garantia desse amor. A palavra
unigênito é enfático para magnificar o fervor do amor de Deus em relação a nós.
Como os homens não são facilmente
convencidos de que Deus os ama, a fim de eliminar qualquer dúvida, Ele declarou
expressamente que somos muito queridos por Deus que, por nossa causa, Ele nem
mesmo poupou seu Filho unigênito.
Uma vez que,
portanto, Deus tem mais abundantemente testificado o seu amor para conosco,
quem não está satisfeito com este testemunho, e ainda permanece na dúvida,
oferece um grande insulto a Cristo, como se Ele tivesse sido um homem comum
entregado aleatoriamente à morte. Mas devemos, ao contrário, considerar que, em
proporção à estimativa que Deus tem a seu Filho unigênito, tão mais preciosa
nossa salvação parecia para Ele, porque para o resgate dos tais Ele escolheu
que seu Filho unigênito morresse. Sobre esse nome, Cristo tem o direito, porque
Ele é, por natureza, o Filho unigênito de Deus, e comunica essa honra a nós por
adoção, quando somos enxertados em Seu corpo.
“Para que
todo aquele que nele crê não pereça”. É um elogio
notável de fé, que nos livra da destruição eterna. Porque Ele pretendia
expressamente declarar que, apesar de nós parecermos ter sido nascidos para a
morte, sem dúvida a libertação nos é oferecida pela fé em Cristo; e, portanto,
e não devemos temer a morte, que de outra forma paira sobre nós.
E ele empregou o termo universal, “todo aquele que” tanto para convidar
todos indiscriminadamente a participar da vida, e para cortar fora todas as
desculpas dos incrédulos. Tal é também o sentido do termo “Mundo”, que Ele
usou anteriormente, porque nada será encontrado em todo o mundo que seja digno
da graça de Deus, mas ainda assim Ele
se mostra reconciliado com o mundo inteiro, quando ele convida todos os homens
sem exceção a fé em Cristo, que nada mais é do que uma entrada para a vida.
Vamos nos
lembrar, por outro lado, que enquanto a vida é prometida universalmente a todos
os que crêem em Cristo, ainda a fé não é comum a todos. Porque Cristo é feito
conhecido e estendido à vista de todos, mas apenas os eleitos são aqueles cujos
olhos Deus abre, para que possam buscá-lo pela fé. Aqui, também, é exibido um
efeito maravilhoso da fé, porque nós recebemos Cristo tal como Ele nos é dado
pelo Pai - isto é, como tendo nos libertado da condenação da morte eterna, e
feito de nós herdeiros da vida eterna, porque, pelo sacrifício de Sua morte,
ele expiou por nossos pecados, para que nada pudesse impedir Deus de nos
reconhecer como Seus filhos. Uma vez que, portanto, a fé abraça a Cristo, com a
eficácia de sua morte e com os frutos de sua ressurreição, não precisamos nos
espantar se por ela obtemos igualmente a vida de Cristo.
Entretanto
ainda não é muito evidente porque e como a fé concede sobre nós. Isso é porque
Cristo nos renova pelo seu Espírito, para que a justiça de Deus possa viver e
ser vigorosa em nós, ou isso é porque, tendo sido purificados pelo seu sangue,
somos considerados justos diante de Deus por um perdão gratuito? Na verdade, é
certo que essas duas coisas estão sempre juntas, mas como a certeza da salvação
é o tema agora em mãos, devemos manter principalmente esta razão: que nós
vivemos, porque Deus nos ama livremente, não imputando a nós nossos pecados.
Por esta
razão, o sacrifício é expressamente mencionado, pelo qual, juntamente com os
pecados, a maldição e a morte são destruídos. Eu já expliquei o objetivo dessas
duas cláusulas, que é, nos informar que, em Cristo, recuperamos a posse da
vida, da qual somos destituídos em nós mesmos, pois nesta condição miserável da
humanidade, a redenção, na ordem do tempo, acontece antes da salvação.
17. “Porque
Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo”. Essa é uma confirmação da declaração anterior, porque não foi em vão
que Deus enviou seu próprio Filho para nós. Ele não veio para destruir e,
portanto, segue-se, que é o peculiar oficio do Filho de Deus, que todos que
crêem possam obter a salvação por Ele. Agora não há razão para que qualquer
homem esteja em um estado de hesitação, ou de ansiedade angustiante sobre a
maneira pela qual ele possa escapar da morte, quando nós cremos que era o
propósito de Deus que Cristo nos livrasse dela. A palavra “mundo” é repetida mais uma vez, para que nenhum homem possa se
pensar totalmente excluído, se ele somente guardar o caminho da fé.
A palavra
juiz é colocada aqui para condenar, como em muitas outras passagens. Quando Ele
declara que ele não veio para condenar o mundo, Ele assim ressalta o real desígnio
da sua vinda, pois que necessidade havia de Cristo vir para nos destruir, se já
estávamos completamente arruinados? Não
devemos, portanto, olhar para qualquer outra coisa em Cristo, a não ser que
Deus de sua bondade infinita escolheu estender sua ajuda para salvar a nós, que
estávamos perdidos, e sempre que nossos pecados nos pressionarem - quando
Satanás quer nos conduzir ao desespero - devemos erguer este escudo, porque
Deus não está disposto a que sejamos esmagados com a destruição eterna, porque
Ele designou seu Filho para ser a salvação do mundo.
Quando Cristo
diz, em outras passagens, que Ele veio para juízo, (João 9:39;) quando é
chamado de pedra de escândalo, (1 Pedro 2:07;) quando é dito ser destinado para
a destruição de muitos (Lucas 2:34:) esta pode ser considerada como acidental,
ou como decorrente de uma causa diferente; porque aqueles que rejeitam a graça
oferecida Nele merecem encontrá-lo como o juiz e vingador de desprezo tão
indigno e vil. Um exemplo marcante disto pode ser visto no Evangelho, porque
apesar dele ser estritamente o poder de Deus para a salvação de todo aquele que
crê (Romanos 1:16), a ingratidão de muito faz com que ele se torne morte para
eles .. Ambas as coisas foram bem expressas por Paulo, quando ele se orgulha de
ter em mãos a vingança, por que ele punirá todos os adversários de sua
doutrina, depois que a obediência do santo tiver sido cumprida, (2 Coríntios
10:6)
O sentido
resulta nisso: que o Evangelho é especialmente, e em primeiro lugar, designado
para os crentes, para que ele possa ser salvação para eles; mas depois para que
os incrédulos não escapem impunes ao desprezarem a graça de Cristo e terem
preferido Ele mais como o autor da morte do que da vida.
18. “Quem Nele
crê não é condenado”. Quando ele tão frequentemente
e tão seriamente repete, que todos os crentes estão além do perigo da morte,
nós podemos deduzir da grande necessidade de uma firme e segura confiança, que
a consciência não pode ser mantida permanentemente em um estado de tremor e de
alarme. Ele novamente declara que, quando nós cremos, não há condenação
remanescente, que Ele mais tarde explicará com mais detalhes no quinto
capítulo. O tempo presente - não é condenado - é aqui usado em vez do tempo futuro
- não será condenado - de acordo com o costume da língua hebraica; porque Ele
queria dizer que os crentes estão seguros do temor da condenação.
“Mas quem não
crê já está condenado”. Isto significa que não há
outro remédio pelo qual qualquer ser humano pode escapar da morte, ou, em
outras palavras, que para todos os que rejeitam a vida dada a eles em Cristo,
não resta nada a não ser a morte, pois a vida consiste em nada mais do que na
fé. O tempo passado do verbo “já está condenado” foi usado por ele enfaticamente,
para expressar mais fortemente que todos os incrédulos estão completamente
arruinados.
Mas deve ser
observado que Cristo fala em especial daqueles cuja maldade será exibido
desprezar abertamente o Evangelho. Pois, embora seja verdade que nunca houve
qualquer outro meio para escapar da morte, além de recorrer a Cristo, mas como
Cristo fala aqui da pregação do Evangelho, que era para ser espalhado por todo
o mundo, ele dirige o seu discurso contra aqueles que deliberadamente e
maliciosamente extinguem a luz que Deus acendeu.
Fonte:
http://www.biblestudyguide.org/comment/calvin/comm_vol34/htm/ix.iii.htm
Tradutor: Emerson Campos Pinheiro.
____________________
Disponível em: http://mortoporamor.blogspot.com.br/2010/09/joao-calvino-1509-1564-comentario-sobre_08.html.
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