“Não há nada mais comum ou mais
fácil do que vangloriar-se da fé e de uma consciência íntegra, porém são mui
poucos os que comprovam por meio de seus atos que estão isentos de toda sombra
de hipocrisia.” –
João Calvino, Comentário às Cartas
Pastorais
A vanglória é um mal combatido e
temido. As pessoas policiam seus corações e medem as palavras para que não
sejam tidas como vangloriosas. O cúmulo da vanglória é quando ela consegue
fazer a pessoa se orgulhar de própria humildade!
Calvino nos leva a pensar como o
espaço da fé pode se tornar um terreno minado pelo engano do coração. Ele
alerta para uma realidade viciada no Cristianismo. Calvino a nomeia afirmando
como algo mais “comum” e mais “fácil” em toda a realidade cristã. Ele sugere
que a vangloria faz-se uso de duas grandes realidades da espiritualidade
cristã: a fé e a consciência íntegra. Isto acontece porque elas são os
referenciais da verdadeira espiritualidade cristã e da nova vida em Cristo.
Quando não se tem ou é, se finge
que é ou tem. A vanglória é essa necessidade de mostrar por não se ter
verdadeiramente. Aquele que tenta provar aos outros sua fé e consciência
íntegra, e bate no peito como o fariseu quando orava excluindo o publicano, cai
na armadilha da vangloria e se torna como a névoa que se dissipa ao raiar do
sol.
A fé, que é expressão de plena
disposição para colocar a glória sobre a ação de Deus, pode se tornar refúgio
para a realização da vanglória humana. Na verdade, a vanglória tem lugar quando
a fé deixa de ser uma resposta à graça de Deus em nossa vida e se torna uma
obra humana com valor meritório.
A fé é uma declaração de insuficiência
e plena carência. Somente tem fé quem reconhece sua dependência de Deus. A fé
não é a declaração do que pode o ser humano, mas do que pode Deus. Crente é
aquele que não tem do que se vangloriar. Sua condição de crente já diz que ele
confia em outro e não em si mesmo!
A consciência íntegra tem paz com
Deus e tranquilidade de alma. Por mais que se levante um tribunal contra ela,
não prevalecerá. Tendo a justificação de Deus, essa consciência sabe que seu
direito não lhe será negado pelo justo juízo.
Nada mais avesso a vanglória do
que a fé e a consciência íntegra. Ambas são condições que se tem para que sejam
apresentadas a Deus como princípio de gratidão, temor e obediência, e jamais no
mérito. A fé é a única forma de agradar a Deus e a consciência limpa é a única
forma de entrar em sua presença com ações de graças. Por mais que a fé e a
consciência íntegra desenvolvam práticas de justiça e verdade que levem as
pessoas a admirarem nossa atitude e vida, não devemos esquecer que onde a vangloria
entra a fé e a consciência íntegra é abolida. A verdadeira espiritualidade não
necessita do espetáculo da vanglória! Fariseus, desprovidos de fé, misericórdia
e justiça, é que gritavam em orações, esmolas e jejuns! A vanglória recebe a
recompensa dos homens. Os humildes de espírito recebem a recompensa de Deus!
Os que gritam “Senhor, Senhor”
com vanglória devem provar por seus atos que estão isentos de toda sombra de
hipocrisia. Se é que isso é possível, pois onde entra a vanglória a hipocrisia
faz morada!
É certo que a vangloria, que se
faz comum e fácil em relação a fé e consciência íntegra, revela um cristianismo
nominal, pretensioso e carente de conversão. No grito, são muitos os que
professam a fé; na prática são muitos os que se fazem hipócritas! Ai daquele
que tenta enganar o outro quanto a realidade de sua fé e consciência. Miserável
pessoa que engana a si mesma quanto a validade de sua vanglória para permanecer
na congregação dos justos!
O crente deve se gloriar do
Senhor e da força de seu poder. Ele não deve permitir que lhe seja tirada a coroa
da justiça de sobre a sua cabeça. Ao exaltado Deus abate, e ao humilde Deus
eleva. Quem investe na vanglória, faz mau negócio. O salário da vanglória não
passa de engano e satisfação passageira. Quem toma a hipocrisia por aliada,
perde tempo e oportunidade. Aos olhos de Deus, ele foi achado em falta! A
árvore que sobrevive apenas de folhas, e não dar frutos, é cortada e lançada ao
fogo!
Rev. Lucas Guimarães
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